Segue

Segue

Segue…
Sempre assim…. com liberdade
Sempre sabendo que se tem
A si… e o melhor do amor

Vai, vai criatura….
Sem medo…
Sem vantagens…..
Sem arrependimentos….

Em frente…
Alargando sua estrada.
Usando apenas seu melhor pensamento…
Seu mais doce carinho….

Sempre assim…
Cheio de si.
Cheio de mim
Cheio enfim desse mundo sem fim…..

 

Lea Arruda

Segue

Segue

Segue…
Sempre assim…. com liberdade
Sempre sabendo que se tem
A si… e o melhor do amor

Vai, vai criatura….
Sem medo…
Sem vantagens…..
Sem arrependimentos….

Em frente…
Alargando sua estrada.
Usando apenas seu melhor pensamento…
Seu mais doce carinho….

Sempre assim…
Cheio de si.
Cheio de mim
Cheio enfim desse mundo sem fim…..

 

Lea Arruda

Poemas inconjuntos

Poemas inconjuntos

“ESPANTOSA realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade”.

 

Fernando Pessoa

Brasil: que fazer?

Brasil: que fazer?

Você que mora no alheio,
que anda de lotação,
que trabalha o dia inteiro
pra enriquecer o patrão

-que ainda espera desse mundo de injustiça e exploração?

Você que paga aluguel,
que pagará toda a vida
a casa que não é sua,
que pode a qualquer momento
ser posto no olho da rua

-que pode esperar da vida que deveria ser sua?
Que pode esperar da vida quem a compra à prestação?

Quem não tem outra saída:
-ser escravo ou ser ladrão?
Que pode esperar da vida
que a recebe vendida
por seu pai ao seu patrão?

Pro patrão você trabalha
dia e noite sem parar.
Você queima a sua vida
pra ele a vida gozar.

Você gasta a sua vida
pra dele se prolongar.
Você dá duro, padece,
você se esgota, adoece,
e quando, enfim, envelhece
o que é ruim vai piorar.

Só então você percebe
que tempo você perdeu.
Você vê que sua vida
foi dura mas não valeu.

Você passou a seu filho
o mundo que recebeu:
O mundo injusto e sem brilho
que, de fato, nem foi seu,
que não será do seu filho
se nele não se acendeu
o sentimento profundo
que traz o homem pra luta

-luta que fará o mundo
ser dele, ser meu, ser teu.

Por isso meu companheiro,
que trabalha o dia inteiro
pra enriquecer o patrão,
Te aponto um novo caminho
para tua salvação,
a salvação de teu filho
e o filho do teu irmão:

Te aponto o caminho novo
da nossa revolução.
Então verás que tua vida
ganha nova dimensão,
que em vez de triste e perdida
terá força e direção.

E cada homem da rua
Verás como teu irmão
que, sabendo ou não sabendo,
procura a libertação.
Sentirás que o mar que bate
na praia não bate em vão;
Que a flor que cresce no Meyer
não cresce no Meyer em vão;

Que o passarinho que canta
não canta pra teu patrão;
Que a grama verde que cresce
empurra a revolução.

O mundo ganhou sentido,
teu braço ganhou função.
A revolução floresce
na minha, na tua mão,
que nada há mais que a detenha

-nem polícia nem bloqueio
nem bomba nem Lacerdão

Que ela assobia no vento
e marcha na multidão,
ilumina o firmamento,
gira na constelação
porque já foi deflagrada
no meu, no teu coração.

 

Publicado na Revista dos Sem Terra; edição especial – setembro de 2003

Poema Obsceno

Poema Obsceno

“Façam a festa
Cantem. Dancem
que eu faço o poema duro.

O poema murro
sujo
como a miséria brasileira.

Não se detenham:
Façam a festa.

Bethania, Martinho,
Clementina.

Estação Primeira. Mangueira. Salgueiro
gente de Vila Isabel e Madureira.

Todos,
façam
a festa

enquanto eu soco este pilão
este surdo
poema

que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)

Não se prestará a análises estruturalistas.
Não entrará nas antologias oficiais.

OBSCENO

como o salário de um trabalhador aposentado.

O poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
e espreitam”.

O amor que era pra você

 

Ferreira Gullar

Soltos, com pó!

Soltos, como pó!

Como operário eu era gente, era alguém.
Não vivia ao vento
Já não era só eu, estava feliz.
Tinha raízes, não era pó.
Estava na fabrica, de macacão, crachá e com esperanças no peito.

Mas a crise… a reestruturação… os setores que fecharam,
as funções que desaparecem, os colegas demitidos.
Outras terras, nossa sina,
novas lágrimas, outras esquinas.
Tempos de desagregação e desatinos.

No recomeçar da empresa, nossos sonhos incompreendidos.
E dia após dia, a produção foi comendo nossas vidas.
As máquinas, moendo nossos sonhos.
A competição, transformando-nos em inimigos.

No silencio competitivo, somos humilhados, desqualificados.
No recomeçar da vida, a radio peão anuncia que um adoeceu,
o outro morreu e mais um, desapareceu.

Meu peito, de tanto sofrimento é um laço, um nó.
Estamos perdidos, lançados ao vento, num redemoinho de areia.
Somos muitos, cada vez mais, sem raízes. Soltos. Como pó.

 

Julio Tavares

Avaliação

Avaliação

“Amo esta terra.
A ela me apeguei
com a luz e a pele.
Com o ar
que respirei.

Um patrimônio de chão
transborda
o rosto
de fé e ervas.

Aqui me registrei
nos vencimentos
que me dão
as estações.

Meses, semanas
viajaram comigo
junto ao cinto
de meu espanto
amigo.

Amo esta terra
e sei compartilhá-la
no conselho dos dias.

Amo a trilha
do sol e cada estria.

Passam em mim
gerações
e nem sempre
rejubilam.
Chiam rodas
na roda
de uma sina
estranha à minha.

Se o feito
é dos agravados
e a lei vige
de empreitada
-amo esta terra.

A condição humana
se ergue com ela.
Metros de solidão:
amo esta terra.”

 

Carlos Nejar

Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida,
E de mãos dadas,
Marcharemos todos pela vida verdadeira

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
Inclusive às terças-feiras mais cinzentas,
Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
Haverá girassóis em todas as janelas,
Que os girassóis terão direito
A abrir-se dentro da sombra;
E que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas par o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu
Parágrafo único
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo
gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final:
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

 

Thiago de Mello
para Carlos Heitor Cony

No mundo há muitas armadilhas

No mundo há muitas armadilhas

“No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
(e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga.

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.

Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.”

 

Ferreira Gullar

Eu te perdôo, vida

Eu te perdoo, vida

Eu te perdôo, Vida, pela tua estranha beleza!
– as noites frias que gelaram
a carne tenra dos órfãos pequeninos,
os ventos ríspidos que fustigaram
a choupana dos velhos e dos enfermos,
as tempestades em que naufragaram
nos barcos leves dos pescadores, nos mares ermos…

Perdôo a insânia com que distribuis
– esbanjadora às vezes, outras vezes avara –
as tuas moedas e os teus códigos,
a injustiça que acusa a inocência indefesa,
a insônia das mães que têm filhos pródigos,
a angústia irremediável que pesa sobre o destino dos poetas.

E mais te perdoara,
Vida, pela tua misteriosa beleza!

Perdôo-te em nome dos mais infelizes,
daqueles que não tiveram missão a cumprir,
dos que se deixaram arrastar pela correnteza,
dos que só conheceram o mundo obscuro das raízes.

Perdôo-te em nome de todos os homens, em nome
Dos que já não existem e dos que estão no porvir,
Porque há sempre na vida de cada homem
Um dia de loucura em que és perdoada,
Vida, pela tua perturbadora beleza!

Perdôo-te pela poesia de uma noite enluarada
Em que houve beijos e juramentos eternos
Sob o arvoredo enflorescido
– desconhecido por ser mais belo do que tu,
Vida, de enigmática beleza!

Eu te perdôo por ti mesma, Vida,
Pela tua beleza ardente e inviolável de esfinge!

 

Henriqueta Lisboa