Claras

Claras

    Clara, santa se fez,
    Francisco, o par,
    Cada um por vez,
    Jeito puro de amar.

Corpos não partilhados,
Sentimentos comuns,
Desejos superados,
Assim foram um.

    Dele, Clara não é,
    Nem tal dia haverá,
    Mas, unidos por fé,
    Trabalho consolará.

Abraçados pelo olhar,
Unidos somente assim,
Modo singelo de amar,
Dois de um, você em mim.

    Longa jornada virá.
    Unidos na separação,
    Separados na união,
    Só o amor vencerá.

Operando pela paz,
Apartaram as vidas,
Amar o amor demais
A falta cometida.

Sempre seu, Santa Clara,
Mas na dor vivendo assim.
Lágrima que não para.
É Clara escorrendo em mim.

Lágrimas de chorar,
Lágrimas por sorrir,
Cada uma há de vir.
As duas por amar.

    Janelas da alma roladas,
    Falam por quem vê
    Escorrem molhadas
    Morrem secas de você.

 

(Crion Nato 6606)

Ciclo

Ciclo

Era o chão,
Fez-se o leito
Do rio que não
Pode ser feito
Cavado de mão.
Está perfeito.

Terra, desnível,
Corrente no vão.
D’água este cinzel.
Esculpiu sem mão.
Caminho ao léu.
Melhor solução.

Correu na queda,
O vale tampou.
De água veda
O que escavou.

Água, subida.
Lago quer formar.
Rio engravida.
Abraça o lugar.

Peso vai parir,
Eleva, prende
Para prosseguir.
Calda estende.

Na queda o show.
Fez cachoeira,
Mal recuperou
Da corredeira.

Queda com classe!
Desceu e serviu
A quem morasse
Num vão do Brasil.

Se apraz o lugar,
Cria meandros.
Modo de abraçar!
Braços malandros.

Segue, vai maior,
Costura o país.
Trabalho e suor!
Mar salgado o diz.

Estrada, vida,
Alimento são,
Missão cumprida,
Pintura no chão.

Opostos. Lados:
Margens agora!
Estão selados.
Vão, rio afora.

Transpirou ao ar,
Foi afluente,
Foi até o mar,
E, diferente,
Do vapor do mar:
Outra nascente.

O tempo marcou:
Terra molhada,
Ou ressecada,
O barco passou.

Navegar, beber,
Nadar e plantar.
Não deve morrer.
Não pode parar.

Se disto esquecer,
Não irá buscar,
Para reviver,
Salário do mar.

Escorre e escoa.
Não morre. Doa.
Outro rio ao mar.
Troca de lugar.

Rio corre assim:
Começo é fim.

 

Crion Nato 27108 )

Comida

Comida

“Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?

A gente não quer só comida,
A gente comida, diversão e arte
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer

Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?

A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.”

 

Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito

O que é, o que é?

O que é, o que é?

E a vida?
e a vida o que é diga lá, meu irmão?
ela é batida de um coração?
ela é uma doce ilusão?
mas e a vida?
ela é maravilha ou é sofrimento?
ela é alegria ou lamento?
o que é, o que é, meu irmão?

Há quem fale que a vida da gente
é um nada no mundo
é uma gota, é um tempo
que nem da um segundo

Há quem fale que é um divino
mistério profundo
é o sopro do criador
numa atitude repleta de amor

você diz que é luta e prazer
ele diz que a vida é viver
ela diz que melhor é morrer
pois amada não é
e o verbo é sofrer

Eu só sei que confio na moça
e na moça ponho a força da fé
somos nos que fazemos a vida
como der ou puder ou quiser

Sempre desejada
por mais que esteja errada
ninguém quer a morte
só saúde e sorte

E a pergunta roda
e a cabeça agita
fico com a pureza da resposta das crianças
é a vida, é bonita e é bonita

Viver, e não ter a vergonha de ser feliz
cantar (e cantar e cantar) a beleza de ser um eterno aprendiz
eu sei que a vida devia ser bem melhor e será
mais isso não impede que eu repita
é bonita, é bonita e é bonita

Gonzaguinha

190

190

o sentido da vida
é que a gente sente

por um filho
que é a cara da gente

por um trabalho
que ocupa a mente

por um amor
que nos deixa doente

pena que isso não baste
por mais que se tente

 

Marta Medeiros

Como poderiam os oprimidos…

Como poderiam os oprimidos…

Como poderiam os oprimidos dar início à violência, se eles são o resultado de uma violência?
Como poderiam ser os promotores de algo que, ao instaurar-se objetivamente, os constitui?
Não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma como violentados, numa situação subjetiva de opressão.
Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os oprimem como outro.
Inauguram o desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se amam.

Os que inauguram o temor não são os débeis, que a eles são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os esfarrapados do mundo.
Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos.
Quem inaugura o ódio não são os odiados, mas os que primeiro odiaram.
Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, negando também a sua.
Quem inaugura a força não são os que se tornaram fracos sob a robustez dos fortes, mas os fortes que os debilitaram.”

 

Do livro: Convite à leitura de Paulo Freire – 1989

Os ombros suportam o mundo

Os ombros suportam o mundo

“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação”.

 

Carlos Drummond de Andrade

Cidade das mulheres

Cidade das mulheres

Cidade das mulheres.
Cidade das belezas…
Tão bela esta mulher que nasce, cresce…
Se aflora na busca
das diversas formas de amar:
Amar com gestos,
Amar com palavras,
Amar com atos,
Amar na coragem, na valentia de
se encontrar na grandeza de
reproduzir vida, respeito e dignidade
na cidade de braços e abraços tão abertos.
Cidade que encanta por sua gente,
por seus rios e praças,
ah…bendita Redenção!
com seus gritos de liberdade
do sul para os nortes…
de todas as raças,
de todas as crenças.
Cidade que planta igualdades,
Cidade que canta conquistas,
Cidade dos caminhos abertos,
Cidade das mulheres…
Cidade de Portos tão alegres
Cidade que faz renascer
A vontade de continuar … a luta!
Bendita seja, a cidade de todas as Mulheres

 

Lucia Reali Lemos

Violência: pare e pense!

Violência: pare e pense!

Quando demitiram os negros,
eu não era negro e não fiz nada.

Quando demitiram os adoecidos e acidentados do trabalho

eu não era adoecido do trabalho e porque iria defende-los?

Quando demitiram as mulheres,
eu não era mulher. Ia fazer o que?

Quando demitiram os mais velhos,
eu não era velho e nada fiz nada.

Quando vieram contra meus colegas de trabalho,

o assunto não me dizia respeito e nada fiz. Calado fiquei.

Finalmente, quando vieram contra mim…
Ninguém me defendeu!

Aquele que nunca sofreu qualquer tipo de violência
sempre pensará que o sofrimento do outro
não é grande coisa, que é exagero.

Alguns até acham que a violência moral, as discriminações e o racismo não existem!
Que não existe discriminação contra os negros, contra as mulheres, os doentes, os acidentados do trabalho, os desempregados, os favelados, os sem teto, os sem terra…

E assim seguimos e fazemos todos os dias:
desprezamos ou diminuímos
o sofrimento alheio.

Não dando atenção à dor do outro nos condenamos a sofrer em silêncio

a nossa própria dor.
O nosso silêncio
favorece os opressores e nos faz cúmplice.
Quem, por medo, se cala,
De alguma forma, concorda com o tirano.
E tudo parece muito normal,

tão normal quanto sofrido e solitário. E as injustiças são banalizadas.

Quem sabe, aquelas frases ditas anteriormente poderiam ser reescritas assim?

Quando vieram contra os negros,
eu nada fiz.
Pois em meu silencio, eu também era contra os negros.
Quando vieram contra os adoecidos e acidentados do trabalho

eu não era adoecido e fiquei em silencio.
Na verdade, eu era contra aqueles que adoeciam, pois eu achava que eles fingiam.
Quando vieram contra as mulheres,
eu não era mulher e permaneci em silencio. Eu era contra as mulheres.
Quando vieram contra os desempregados,
eu não era desempregado e não fiz nada e,

calado, também eu era contra os desempregados.

Quando vieram contra os analfabetos, os favelados, os sem teto e os sem terra, não fiz nada e, em silencio, também eu era contra os favelados, os sem teto e sem terra.

Quando vieram contra mim, ninguém me defendeu, usaram o silêncio e a indiferença para apoiar meus inimigos.

Talvez uma lição a ser aprendida:
o que nos faz iguais é que somos, todos,
diferentes uns dos outros.

Então, reflitam: de onde vem esse medo de ser diferente?
Por que permanecemos em silêncio? Porque nos submetemos? Porque nos calamos ante as injustiças?
Por que aceitamos os desmandos e abuso de poder?
Por que nos resignamos a viver fechados e solitários e tratamos o outro com frieza e indiferença?
Por que ignoramos a positividade da sociabilidade?
Porque abrimos mão de nossa liberdade e nos sujeitamos ao tirano?

Por que nos identificamos e até acreditamos nas tagarelices televisivas?

Por que tanto medo?
Por que? por que?
Pensem nisso.

(Inspirado no filme: “Olhos azuis” de Jane Elliott)

 

M. Barreto

Epitáfio

Epitáfio

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar…
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar…
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos

 

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