Combate ao Assédio Moral na Administração Pública

Cartilha Combate ao Assédio Moral na Administração PúblicaRedação Rui Viana (SERJUSMIG)
Robert Wagner França (SINJUS-MG)
Arthur Lobato (Psicólogo)
Leonardo Militão (Advogado)
Dinorá Oliveira (Jornalista)
Projeto Gráfico/Diagramação Mariana França
Ilustração
Mariana França
Jornalista Responsável/Editora Dinorá Oliveira Impressão Gráfica Del Rei Belo Horizonte, maio de 2008.

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Homenagem: Previdência entrega prêmio Mulher Guerreira

O Ministério da Previdência Social concederá, nesta terça-feira (11), o Prêmio Mulher Guerreira para três personalidades que se destacaram na vida pública e que são exemplos para a sociedade.

O ministro Luiz Marinho fará homenagem póstuma à Maria Cristina Souza Felipe da Silva, perita médica da Previdência Social que foi assassinada em frente a sua casa em setembro de 2006. Ela foi morta por lutar contra uma quadrilha de fraudadores da Previdência. A família receberá a homenagem, a entrega do troféu Mulher Guerreira 2008.

Outra homenageada com o troféu Mulher Guerreira é Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), por sua luta pelos direitos das empregadas domésticas brasileiras.

A terceira mulher a receber o troféu é a médica Margarida Barreto, que foi uma das primeiras pessoas no país a estudar o problema do Assédio Moral no Trabalho.

No ano passado as ministras Marina Silva, do Meio Ambiente, e Nilcéia Freire, da Secretaria Nacional de Políticas paras as Mulheres, foram as homenageadas com o prêmio Mulher Guerreira 2007.

A cerimônia de entrega do prêmio será às 16 horas, no auditório dos Ministérios da Previdência Social e do Trabalho e Emprego.

Informações para a Imprensa
Leônia Vieira
(61) 3317-5113
ACS/MPS

Ecologia humana

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A médica Margarida Barreto, da equipe do site “Assédio moral no trabalho – Chega de humilhação!” (www.assediomoral.org.br) fala com exclusividade à Folha do Meio sobre esta atitude comportamental que tanto transtorno e situações desconfortáveis provoca sobre colegas.

Fonte: Folha do Meio Ambiente

FMA – Quais os fatos que levaram a criação do site?
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Margarida Barreto – Após a defesa que fiz no Mestrado, em 2000, “Uma Jornada de Humilhações”, surgiu uma demanda por palestras sobre o tema. Foi quando uma jornalista ligada ao movimento sindical publicou uma entrevista comigo. A pequena matéria acabou veiculada na coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. E eu fui surpreendida com telefonemas de várias emissoras e jornais que queriam entrevistas. Fiquei surpresa. Desde aquele momento, as solicitações da mídia nacional e internacional tem sido constante. O tema foi capa de várias revistas e objeto de inúmeras reportagens, artigos, entrevistas para rádio, televisão e sala de conversas “on-line”, assim como de incontáveis seminários, encontros, tribunal popular, oficinas etc. A demanda do movimento sindical e de redes sociais foi o motivo que nos levou a idealizar uma forma de dar mais visibilidade às informações e socializar o conhecimento. Criamos o site, que foi idealizado por mim e Maria Benigna Arraes Gervaiseau. Nossa idéia é que essas informações sejam apropriadas pelos trabalhadores, pesquisadores e demais interessados no tema. Por isso, pensamos em um site com muita informação, e disponibilizamos tudo o que sabíamos, de uma forma acessível e fácil!

FMA – Há uma estimativa do número de trabalhadores que sofre este tipo de assédio?
Margarida – Sim. Em nossa segunda pesquisa, que é nacional, foram distribuídos 42 mil questionários específicos para todos os trabalhadores de diferentes categorias em todos os estados do Brasil. Era um questionário especifico para aqueles/as que em algum momento de sua vida, houvessem sofrido o assédio moral e não tinham ferramentas teóricas para identificá-lo. Destes questionários, 10.600 foram devolvidos, correspondendo a um percentual de 15,7%, a Nordeste com 12.4%, a Centro-oeste com 5,5% e a Norte com 2,5%.

FMA – Qual o perfil do assediador e o da vítima?
Margarida – Geralmente o assediador é uma pessoa autoritária e até mesmo insegura, que exerce a tirania e comanda os trabalhadores como se estivesse comandando uma batalha, uma guerra. Quanto aos inseguros, escondem seu medo, imaturidade e inexperiência, tiranizando e exigindo que todos se submetam e façam o que ele ordena. Tiranizam humilhando, constrangendo, desqualificando. Ele tem medo que seus pares e subordinados possam constituir um perigo a sua permanência na empresa. Tem medo de ser descoberto em sua incapacidade de relacionar-se. Para ele, qualquer questionamento pode significar uma ameaça. O autoritário é uma personalidade muito comum naqueles que detém o poder. Não conseguem liderar e sim mandar como se o outro fosse uma coisa.

Margarida Barreto, autora de estudo sobre o tema
Margarida Barreto, autora de estudo sobre o tema

FMA – O problema é sempre com o chefe imediato?
Margarida – Há outros chefes que acreditam que o sucesso da empresa depende exclusivamente de sua capacidade de exigir e subjugar os trabalhadores. Isto se deve em muito à cultura organizacional de uma empresa, a forma de organizar o trabalho, a natureza e processo de socialização da produção, o que resulta em sofrimento para o coletivo.

FMA – E a vítima?
Margarida – Quanto a vitima, normalmente são pessoas que têm como característica fundamental ser um profissional que gosta do que faz, apaixonado por seu trabalho, capaz, brilhante, inteligente, criativo e com grande sentimento de justiça. Têm capacidade de liderança nata e fazem amizade fácil, influenciando as pessoas em volta com suas idéias. É dedicado ao trabalho e sabe questionar, não aceita as injustiças. Todos admiram sua capacidade. Com o assédio moral, adoecem do trabalho, ficam afastados e perdem sua capacidade produtiva. Especialmente as mulheres, os mais velhos, negros, integrantes de comissão de segurança no trabalho e dirigentes sindicais combativos.

FMA – E necessário o tratamento psicológico?
Margarida – Sim, a vítima é destroçada e, vamos dizer assim, assassinada psiquicamente em sua criatividade, ela deve ser encaminhada a algum serviço especializado de apoio psicológico. Ela precisa de apoio moral, escuta atenta e respeitosa e tratamento psicológico. Algumas vezes, de acompanhamento psiquiátrico. A empresa deve garantir à vítima o médico, o psicólogo e apoio social.

FMA – E quanto ao assediador?
Margarida – Quanto ao tirano, precisa refletir sobre suas ações e atos, ele é consciente do que faz e porque faz. Cabe puni-lo, responsabilizá-lo e deixar claro que não se vai tolerar esse tipo de prática. A empresa não deve agraciá-lo com condecorações, premiações ou promoções. Esta ação, de 25,20%, e foi neste universo que trabalhamos. Quanto às regiões em que existe mais casos de assédio, temos a Sudeste com 63,8%, a Sul com comum em algumas empresas, contribui para a permanência destas práticas nefastas.

FMA – A senhora atribuiu o fenômeno às novas relações de trabalho. Parece que o problema sempre existiu mas agora foi identificado…
Margarida – Antigamente se falava que o chefe perseguia, que a chefe era arbitrária, coisas assim. É um fenômeno velho com novas características e novas causas.
O mundo do trabalho na configuração que hoje temos, é violento. Há uma guerra invisível na medida em que adoece e mata centenas de trabalhadores e trabalhadoras.
Só para dar uma idéia, dados do Ministério da Previdência, em 2006, referem a ocorrência de 503.890 acidentes do trabalho, resultando na morte de mais de 2.700 trabalhadores e a incapacitação permanente de 8.300 mil pessoas. No passado, poderíamos dizer que a violência nascia das relações interpessoais, hoje já não podemos falar nesta linearidade causal. Desde o final dos anos 80, o mundo do trabalho vem sofrendo mudanças de forma acelerada: tanto na forma de organizar o trabalho como na forma de administrar as políticas. Isto leva a uma diminuição do número de trabalhadores e aumento da sobrecarga de trabalho graças às políticas de reestruturação e reengenharia que objetivam enxugar as gorduras e diminuir os gastos.

FMA – Como atuam governo e instituições públicas?
Margarida – A primeira instituição pública a assumir no código de ética e na ouvidoria a questão do assédio moral foi a Petrobras. E nem por isso a prática do assédio moral desapareceu na empresa.
Os ministérios, como o Planejamento, têm discutido e inclusive realizado uma pesquisa. Quanto a legislação, alguns estados e municípios têm leis específicas. Em São Paulo, no entanto, o governador vetou a Lei 12.250 (fevereiro/2006) alegando inconstitucionalidade. É uma lástima que governantes que se dizem comprometidos com a ética e a justiça, tapem os olhos à realidade e achem natural que exista discriminação, constrangimentos, desqualificações e variadas punições com seus servidores.

FMA – Quais os setores que mais apresentam assédio moral?
Margarida – Os setores que mais sofrem o assédio moral são a saúde (enfermagem, médicos) educação (escolas e academias) , serviços (bancos) e comunicação (jornalistas).

“O autoritarismo é a grande ferramenta daqueles que não sabem comandar”

Fonte: Jornal do Judiciário – Edição nº 323 – 22/Agosto/2008 – Página 4

Jornal do Judiciário – Quando a sra. iniciou as pesquisas sobre o tema? Desde então tem visto avanços no combate à prática ou aumentou o assédio moral nos locais de trabalho? Quais seriam as causas?
Margarida Barreto – De forma organizada e como pesquisa acadêmica, foi em março de 1996. Entretanto, tudo começou em 1992 quando comecei a trabalhar no Sindicato dos Trabalhadores Químicos e Plásticos de São Paulo. Lá, ouvia história de sofrimento que de alguma forma me incomodava pois não conseguia vê os trabalhadores como culpado pelo processo de adoecimento, da doença ou do acidente ocorrido. Acreditava que existia algo que fugia ao meu entendimento de ginecologista, pois estava começando a atuar na área da Medicina do Trabalho. E por isso, fui para Psicologia Social e me submeti ao mestrado. Queria compreender o grito de sofrimento…. A dor do outro. Fiz varias tentativas para compreender e refletir o que ocorreu (e e ainda ocorre) no mundo do trabalho e relações laborais. O que acontece? Tivemos, nestas duas ultimas décadas, mudanças nos processos produtivos, reestruturações e reengenharias. A medida que o processo de globalização se expandia, os efeitos nefastos foram imediatos (e continua): desregulamentações, perdas de direitos , imposição de políticas de cunho neoliberal e pensamento único caminharam juntos, resultando em assimetrias no desenvolvimento regional, precarização do trabalho, baixos salários, incerteza quanto a permanência no emprego. Era necessário que estimulassem o individualismo e competitividade. Aos poucos, o pensamento único impôs-se em especial, no plano ideológico. Nunca vivemos tempos como o atual, em que se nega ou se tenta neutralizar e até ridicularizar a variante ideológica, em qualquer discussão, resistência ou conflito. Em síntese, a causa do assedio moral está relacionada a dois fatores: cultura organizacional e forma de organizar o trabalho. Como variáveis temos a competição exacerbada, a hierarquia assimétrica e centralizada, estágios mal definidos, cultivo da cultura da indiferença e insensibilidade pelo sofrimento alheio; falta de pessoal o que leva a sobrecarga física e mental de trabalho, obrigando a trabalho suplementar; A prática do assédio moral está ancorada na busca desenfreada dos resultados, no aumento da produtividade e lucratividade, em um clima organizacional de pressão e opressão à todos os trabalhadores e trabalhadoras. Felizmente existe a resistência e luta de muitos trabalhadores e trabalhadoras, que ainda acreditam na possibilidade de um mundo do trabalho no qual predomine relações respeitosas, dignas e humanas.

JJ – Quais são as diferenças entre o assédio no serviço público e no setor privado?
MB – No setor privado, todo o processo dura menos tempo. No máximo, 1 ano ou pouco mais. No setor publico ao contrário: se prolonga no tempo, sendo comum o trabalhador conhecer a dança da cadeira ou melhor: vão de um setor a outro, de uma região a outra, na esperança que o assédio se transforme em coisa do passado, o que nem sempre acontece, pois leva consigo o estigma e o assédio se repete.

JJ – Como estabelecer um nexo causal entre os sintomas da vítima e o ambiente de trabalho?
MB – Está fundamentado na escuta clínica apurada ou melhor, na história ocupacional, o que faz e como faz. O importante é sabermos como se estabelecem as relações no meio ambiente laboral, quais as mudanças que ocorreram no processo de organizar e administrar o trabalho, qual a cultura organizacional que predomina, se o sistema de avaliação é usado para estigmatizar, como o contingente de trabalhadores atende a demanda imposta, se há ou não respeito nas relações hierárquicas, se os horários de trabalho são regulares ou não, pois os padrões temporais tem múltiplos determinantes e podem afetar desde os relacionamento em família ate a saúde dos trabalhadores, na medida em que empobrece a comunicação, enfraquecendo os laços de amizade.

JJ – Na pesquisa sobre assédio moral nos locais de trabalho, realizada pelo Sintrajud, qual índice chama mais atenção?
MB – Toda a pesquisa é reveladora de uma realidade vivida. No caso desta categoria, poderíamos pensar, por suas características, que primasse o respeito ao outro nas relações de trabalho. Ledo engano. O que temos, apesar do tema ser conhecido de todos? Uma certa naturalização e banalização destes atos e que segundo as respostas, são mais praticados por mulheres em cargos hierárquicos! É surpreendente o percentual de trabalhadores e trabalhadoras que já foram vitimas deste tipo de prática. Também é lastimável, pois o autoritarismo é a grande ferramenta daqueles que não sabem comandar, não sabem liderar, e neste sentido, revela uma certa impotência. As mudanças emocionais dos trabalhadores certamente começam com as mudanças nas relações especialmente quando não há o reconhecimento e respeito ao esforço e trabalho desenvolvido pelo outro.

JJ – Qual a importância dos sindicatos no combate ao assédio moral nos locais de trabalho?
MB – É fundamental que reflitam as múltiplas contradições existentes na relação capital x trabalho, mesmo aquelas que ao primeiro olhar, pareçam sutis e inexistentes. O contato com os trabalhadores, da base à administração, não pode ser esquecido. Devem pensar e elaborar estratégias de resistência para enfrentar esses diferentes e complexos problemas que hoje se apresentam e que estão relacionados a uma maior exploração. Caracterizar as condições objetivas do trabalho, refletir as mudanças e transformações que ocorreram nestes últimos anos, analisar o aumento da riqueza em mãos de poucos e não em mãos dos trabalhadores, para responder de forma coletiva as novas demandas quer no plano organizativo ou de intervenção social, se quisermos de fato, uma outra sociedade na qual impere relações fraternas e humanas e não relações egoístas centradas no Eu que lida com o outro como se fosse uma mercadoria, consumindo tudo e todos, de forma desenfreada. Não podemos abrir mão de lutas fundamentais como o direito ao trabalho, a segurança, a estabilidade no emprego, a redução da jornada de trabalho, a defesa dos direitos laborais conquistados. Devemos ampliar o arco de conquistas, combatendo, denunciando e resistindo de forma eficaz a toda e qualquer manifestação de precarização do trabalho. Essa, é uma necessidade histórica, que ainda não realizamos.

JJ – Como as novas formas de organização do trabalho, focadas somente na produtividade, podem propiciar o assédio moral?
MB – Quando falamos em produtividade estamos falando de produção e produtos em todas as áreas da empresa. Ou melhor, desde finanças, pessoal, compras, vendas, apoio até a produção. Todas as empresas, quer publica ou privada e de diferentes ramos produtivos, instituíram e perseguem programas de qualidade e produtividade que associados a novas formas de administrar com envolvimento de todos e todas, tragam elevação acentuada da produção e aumento dos ganhos com diminuição dos custos e gastos. Para alcançar esses objetivos, dizem ser necessário: metas desafiadoras e que possam ser alcançadas; motivar a equipe para esses ideais; zerar o defeito do produto, rumo a qualidade total. Enquanto o ciclo avança, a sujeição e o medo se instaura no coletivo. Os trabalhadores sentem o perigo de serem excluídos e por isso, baixam a cabeça e obedecem. Esse comportamento permite aumentar o controle, exigir mais firmemente, dá ordens acima do aceitável, abusar do poder. Em conseqüência, o ambiente propicia os desmandos, os constrangimentos, as ameaças. Não esqueçamos que a eficiência dos resultados estão diretamente relacionadas com as formas de administrar e organizar o trabalho, o controle e disciplina do coletivo e a exigência de produtividade máxima para todos. Para se chegar a esses objetivos foram mexendo inicialmente nos layouts, criando novos espaços para gerentes e supervisores, dando ares de modernidade ao ambiente e começou-se a falar em ambientes “cleans” propiciavam harmonia, humanismo, possibilitavam mais bem estar e mais produtividade. E só este aspecto dobrou a produtividade. Mas, estes senhores deviam mexer com outros setores…restou ao final a produção e suas rotinas… Aqui o “layout” foi com as pessoas ou seja: diminuir os considerados excedentes e improdutivos; contratar estagiários com salários 1/3 menores que os antigos trabalhadores, terceirizar serviços. A produtividade dobra, e se isso ocorre é porque a pressão, o medo e silencio estão rolando no coletivo.

JJ – Como a vítima pode vencer a barreira do medo e denunciar?
MB – Aprendemos a ter medo por “n” condições. Temos medo ante uma ameaça objetiva. Não nascemos com medo, se o temos, é um aprendizado instituído socialmente, na relação com o outro. É um sentimento imposto por certas condições e situações. Este sentimento, pode nos ajudar a identificar, a conhecer e perceber os fatos que ocorrem ao redor ou no posto de trabalho. Quando as empresas utilizam esse sentimento para gerenciar e administrar pessoas, sua finalidade não é auxiliar o trabalhador, mas submetê-lo, tornando-o servil e sujeitado ao outro, obedecendo cegamente às ordens emanadas. é verdade que aprendemos desde terna infância que devemos obedecer as ordens do outro por medo de que, o caldo de sua ira, entorne sobre nós ou que o castigo divino caia em nós, nos impedindo de uma boa vida eterna. Deste modo, o medo nos paralisa, nos amortece e por medo nos tornamos indiferentes a dor do outro. Se não compreendemos o nosso medo e o superamos, o transformamos em pavor, pânico e alimentamos temores não somente de nossos atos mas, em especial, do outro que está ao meu lado. O poder do medo é tal que muitas empresas, hoje, administram pelo medo, usando ameaças e intimidações. Boa arma ideológica para impedir a participação ou se sindicalizar ou mesmo conversar na porta da empresa com um dirigente sindical. É o medo de ser visto, identificado e marcado. Vencemos o medo individual com ações coletivas. Só com o apoio e ajuda fraterna de muitos outros que me sinto forte para enfrentar, resistir e denunciar. Assim, devemos compreender o porque do nosso medo, descobrindo suas causas, o que está por trás desta emoção/sentimento e ter como perspectiva supera-lo, não permitindo que esse sentimento controle você, tornado-a uma boa presa para os opressores, que manipulam os nossos medos. Pode parecer difícil, mas com a ajuda e amizade de outros colegas, é mais que possível derrubar a barreira do medo e ultrapassá-la. Devemos sempre lembrar que resignar-se ao estabelecido ou imposto, é uma forma de morrer lentamente, de matar a nossa criatividade e assassinar a esperança que existe dentro de cada um de nós!

Assédio moral: risco não visível no ambiente de trabalho

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Uma tragédia pessoal levou a ginecologista Margarida Maria Silveira Barreto a buscar novos rumos em sua vida e em seu trabalho. Pouco tempo depois, a saúde do trabalhador ganhava uma apaixonada e dedicada pesquisadora, cujo interesse se voltou para o, até então pouquíssimo discutido no país, tema do ‘assédio moral’. Hoje, Margarida integra o grupo de profissionais responsável pelo site ‘Assédio moral no trabalho. Chega de humilhação!’, e viaja por todo o país divulgando e incentivando discussões sobre a questão que afeta um sem número de trabalhadores. “Só no site, nós recebemos cerca de 300 denúncias por dia’, disse Margarida, que é autora do livro ‘Violência, saúde, trabalho – uma jornada de humilhações’ (Educ, 2000 e 2006), em recente palestra na ENSP.

ENSP/Fiocruz

Informe ENSP: O que é assédio moral? Ele pode ser considerado uma doença do trabalho?

Margarida_Barreto_01.jpgMargarida Barreto: O assédio moral pode ser definido como a exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva e prolongada ao longo da jornada de trabalho. É uma atitude desumana, violenta e sem ética nas relações de trabalho, que afeta a dignidade, a identidade e viola os direitos fundamentais dos indivíduos. No Brasil, o termo ‘assédio moral’ veio na esteira do ‘assédio sexual’, até porque o verbo assediar tem, segundo o dicionário Aurélio, o significado bem específico de “colocar o outro num cerco, não dar trégua e humilhar até quebrar a sua força, quebrar sua vontade”. Outras denominações também usadas são ‘assédio psicológico’, ‘tortura psicológica’ e, em alguns casos, ‘violência moral’.

O assédio moral não é uma doença, mas um risco não visível no ambiente de trabalho. Quando se identifica o assédio moral como doença, a tendência é de culpabilizar o trabalhador e de colocar a discussão no marco da biologia. Isso leva a um reducionismo muito grande, pois isola o problema e retira da análise o contexto social, as formações socioeconômicas e o processo histórico. Deixa de se considerar a existência das pessoas em sociedade e o indivíduo em sua relação com o outro, num cenário específico, que é o mundo do trabalho com a lógica do lucro.

É muito importante que as pessoas entendam, e essa é a nossa batalha. Nós já levamos essa discussão para profissionais da Saúde, para as universidades e para os sindicatos. De cinco anos para cá, no entanto, nosso foco tem sido a área do Direito – juízes, advogados, promotores, OAB, etc. -, pois percebemos que havia uma certa incompreensão no sentido do julgamento, e o problema acabava sendo atribuído à personalidade e à sensibilidade do assediado, ficando descartada a questão do ambiente de trabalho.

Informe ENSP: O que leva ao assédio moral?

Margarida Barreto: Para se entender a questão do assédio moral, é importante, antes de tudo, compreender as mudanças radicais que o mundo do trabalho sofreu nesses últimos 20 anos. Entre outras coisas, podemos falar da questão da ‘reestruturação’ intensiva das empresas, que se caracteriza, principalmente, pela demissão em grande escala. O resultado é que aqueles que ficam acabam sobrecarregados, realizando tarefas que corresponderiam a dois ou três funcionários. Outro conceito muito usado é o da ‘flexibilização’ que, na verdade, acaba sendo a flexibilização dos direitos, do tempo e da saúde do trabalhador. O trabalhador, cuja jornada de trabalho era de oito horas, passa a estar 24 horas por dia à disposição da empresa. Seu tempo passa a ser o tempo do poder e da produção. Tem ainda a questão da ‘empregabilidade’, na qual o trabalhador é responsabilizado pela sua própria atualização, a fim de se tornar empregável, isto é, um indivíduo pronto para atender ao chamado do mercado de trabalho. O trabalhador deixa de ser um ‘trabalhador’ para virar um ‘colaborador’, ou seja, nós nos tornamos colaboradores da nossa própria exploração. Tudo isso afeta diretamente a forma como as pessoas se relacionam no ambiente de trabalho e acabam formando um terreno propício para o assédio moral.

Informe ENSP: Qual o papel das empresas e organizações nos casos de assédio que ocorrem com seus funcionários?

Margarida_Barreto_02.jpgMargarida Barreto: O assédio moral é um processo que se caracteriza pelo encadeamento de propósitos e de atuações hostis que, quando tomados separadamente, podem parecer insignificantes, mas cujas repetições constantes têm efeitos bastante nocivos. Ele desestabiliza emocionalmente a vítima do assédio, destrói o coletivo e a rede de comunicação no ambiente de trabalho. O assédio moral é um indicador da existência de violência instituída e institucionalizada e da imposição da lógica organizacional. Quando escutamos as vítimas de assédio, fica muito claro que há dois fatores fundamentais de causalidade dessa prática: a forma de organizar o trabalho e a cultura organizacional que banaliza a violência em nome da produtividade. No Brasil, ainda é normal uma postura de fuga das empresas. Elas raramente assumem que possa haver um caso de assédio moral no seu âmbito, e isso acaba fortalecendo a idéia, que a Justiça cada vez mais manifesta, de responsabilidade solidária da empresa nos casos de assédio moral.

Informe ENSP: Quais as principais características do assédio moral?

Margarida Barreto: Em quase todo caso de assédio moral, é possível identificar cinco momentos muito distintos, como se fosse uma raiz que se repete em todos os lugares. O primeiro passo do assediador é impedir a vítima de se exprimir. Então, nada do que ela diz tem valor ou deve ser ouvido. Daí, começa a fase do isolamento, que ela tenta superar aumentando o seu ritmo de trabalho e sua produção. Como isso não resolve, ela entra num caminho de auto-isolamento. Na continuidade do processo, o objetivo passa a ser desconsiderá-la junto dos seus colegas, desmerecendo seu trabalho, e desacreditá-la no seu ambiente de trabalho até, finalmente, comprometer a sua saúde. O interessante é que, para isso, utilizam-se estratégias muito sutis e até muito sedutoras.

Informe ENSP: No que consiste o assédio moral? Como se dá o processo? Que táticas são utilizadas pelo assediador?

Margarida Barreto: Eu aponto as táticas de relacionamento, de isolamento, de ataque e as ações punitivas de cunho pedagógico e disciplinar. Na questão do relacionamento, visando quebrar as relações existentes, há um incentivo à competitividade e à excelência, o que acaba fortalecendo o individualismo. No isolamento, a impressão que se tem é que o assediado tem uma doença contagiosa, ninguém quer ser visto com ele. As pessoas são colocadas na ‘geladeira’, isto é, num lugar onde não valem nada, são ‘queimadas’, por meio de fofoca, ou, simplesmente, ‘esquecidas’, uma tática muito usada com os que retornam de licença médica. Os ataques, por sua vez, são sempre velados, nada é muito explícito. O assediador fala mal com terceiros sobre o trabalho da vítima, ou sobre os riscos que ela corre de perder o emprego, deixando que ela ‘ouça a conversa’, por exemplo. Mas há ainda as ações punitivas, mais comuns no Norte e no Nordeste do país, mas que também ocorrem em outras regiões. Essas práticas de abuso de poder têm, claramente, o objetivo de sujeitar corpos e mentes não só do assediado, mas também dos demais. Quando presenciam as humilhações impostas ao assediado, as pessoas tendem a trabalhar mais e a se calar por medo de serem os próximos a sofrer abusos, perder o emprego ou ser identificado com a pessoa que está mal no ambiente de trabalho.

Quanto às ações, elas são as mais variadas possíveis – gritos, gestos grosseiros e obscenos, comportamento hostil, intolerância, perseguição sistemática e até violência física – cujo objetivo é desestabilizar emocionalmente a vítima, destratá-la, ridicularizá-la publicamente. As ameaças de desemprego, por sua vez, levam muitos a tolerarem o assédio, as acusações e a atribuição de apelidos depreciativos ou constrangedores, prática muitas vezes justificada pela imagem que o brasileiro tem de ser brincalhão. A insinuação de roubo é a facada final que se pode dar num assediado. Uma acusação injustificada é capaz de desestruturar qualquer pessoa.

Informe ENSP: Qual o perfil de assediadores e assediados?

Margarida Barreto: As pesquisam mostram que cerca de 90% dos assediadores são superiores hierarquicamente aos assediados, mas há casos em que o assédio é praticado pelo conjunto dos colegas e, até mesmo, por um subordinado. Quanto ao sexo, há homens e mulheres, dependendo mais do cargo que ocupam. Em mais de 10% dos casos com mulheres, o processo parte de um caso de assédio sexual. No caso dos homens, o assédio sexual se torna bastante delicado quando o assediador também é homem, pois isso quebra a reação da vítima.

Quanto aos assediados, eles são justamente aqueles que, de alguma forma, quebram a harmonia, porque questionam, sugerem e apontam problemas. São, geralmente, pessoas que buscam soluções para o coletivo, que se preocupam com os demais, ou seja, são os questionadores e, pasmem, os solidários. Como ele reclama, ele acaba sendo visto como aquele que vive fazendo drama ou criando casos, mas isso não é verdade. Outro grupo importante é dos portadores de doenças causadas pelo próprio trabalho. De forma geral, os mais velhos e as mulheres, principalmente as negras.

Informe ENSP: Quais os custos, quais as conseqüências do assédio moral?

Margarida_Barreto_03.jpgMargarida Barreto: Para o trabalhador, o assédio representa um grande sofrimento, que começa com o medo, a ansiedade, a vergonha e o sentimento de culpa, entre outros. Como o sofrimento é a ante-sala do adoecimento, as coisas vão piorando, o estresse aumenta e isso pode levar inclusive a vícios diversos e ao suicídio. Quando começa o processo de sofrimento, o trabalhador fica imerso numa zona cinzenta em que ele não entende o que está havendo. É como se ele entrasse num túnel de emoções tristes, que acabam criando uma rede imaginativa que leva à repetitividade do pensamento. Ele só consegue pensar nisso. O sofrimento poda a sua criatividade e pode até afetar sua memória. E isso não ocorre por fragilidade da pessoa, mas é uma conseqüência natural do que ela está passando. As reações são variadas, uns podem engordar e outros emagrecer em demasia e sem motivo aparente. Pode haver diminuição da libido, isolamento social e reprodução da violência sofrida no ambiente doméstico. No caso dos homens, quando eles chegam a desistir ou perder o emprego há ainda um agravante. Como, culturalmente, o homem é tido como provedor da casa e, por um certo machismo, não deve demonstrar fraqueza, o assédio pode deixá-lo completamente desestruturado, levando ao suicídio.

A empresa, por sua vez, sofre os efeitos da diminuição da competitividade, redução da produtividade, com perda de lucratividade, perda de trabalhadores qualificados, aumento de doenças e acidentes, aumento do absenteísmo, perdas econômicas, por pagamento de indenizações e processos, e perda de imagem, entre outros. Por fim, perde o Estado que, além de perder o potencial de trabalhadores produtivos, ainda vê aumentarem os gastos da previdência.

Informe ENSP: O que fazer para evitar o assédio moral?

Margarida Barreto: Em primeiro lugar, é importante ter em mente que o assédio moral não começa como assédio. Ele sempre começa com uma situação de conflito não resolvido. E aí, acho importante diferenciar bem o conflito – algo positivo, que pode desencadear novas idéias e crescimento mútuo, que envolve tarefas claras, objetivos coletivos e comunicação sincera, honesta e respeitosa – do assédio moral – no qual imperam as tarefas confusas, as ordens ambíguas, o boicote e o individualismo, a falta de ética e a comunicação indireta, evasiva, difícil, autoritária e desrespeitosa.

O momento ideal de intervenção é durante o conflito, ou seja, antes que ele evolua para um caso de assédio moral. Por que está se prolongando? O que está interferindo? Se o conflito começa a virar um caso de assédio, é necessário fazer uma prevenção primária, que envolve, entre outras coisas, uma tomada de posição da empresa, informando que não vai tolerar a prática do assédio moral, a realização de campanhas de sensibilização antiviolência, a elaboração e distribuição de cartilhas ou outro material informativo, além do estímulo às atitudes respeitosas nas relações interpessoais, o que é bastante complicado, porque mexe com a política de gestão da empresa. Caso isso ainda não resolva, deve ser feita a chamada ‘prevenção secundária’, com criação de grupos de apoio e sensibilização, reconhecimento do problema, escolha de um mediador para negociar soluções e permitir o entendimento, planificação e reorganização do trabalho, visando prevenir e abolir o risco de perseguição psicológica, etc. Quando nada disso resolve, o jeito é administrar as conseqüências e, entre as providências possíveis, pesquisar as causas do assédio moral e sua relação com a organização do trabalho; verificar as falhas da organização de trabalho que impedem a ajuda mútua e a colaboração entre os trabalhadores; rever normas, códigos de conduta e processos avaliativos.

Informe ENSP: De um tempo para cá, esse tema começou a ser discutido mais profundamente na Fiocruz. Como é a questão do assédio moral nas empresas públicas?

Margarida Barreto: Não existe um local que não exista assédio moral. Ele ocorre em empresas privadas, empresas públicas, organizações não-governamentais, instituições filantrópicas, sindicatos e igrejas e em todo lugar onde há trabalhadores. O assédio nas empresas públicas está muito ligado às políticas de ascensão funcional e ao modelo de gestão. De certa forma, o que eu venho observando é que o processo tende a ser mais perverso e penoso do que nas empresas privadas, pois a pessoa suporta o assédio sempre com esperança de que, quando mudar o comando, as coisas mudem. Por outro lado, como a pessoa não pode ser mandada embora, ela, muita vezes, é colocada à disposição e começa a rodar por vários setores, sempre carregando um estigma que, muitas vezes, faz com que ela volte a ser assediada. Nós já vimos casos de assédio em empresa pública com duração de oito anos, enquanto na empresa privada o máximo foi de um ano e meio.

Assédio moral… no local de trabalho

Texto integral
    Organizadores da cartilha:
  • Carla Rose Kempinski (ASGF – Associação de Surdos da Grande Florianópolis)
  • Dariu Fernando da Cunha (FAÇA – Fundação Açoriana para o Controle da Aids)
  • Simone Lisboa Scheffler Anselmo (Conselho de Comunidade de Florianópolis) Organizadores do texto:
  • Silvia Maria Zimmermann
  • Teresa Cristina Dunka Rodrigues dos Santos (Ministério Público do Trabalho – Procuradoria Regional do Trabalho / 12ª Região)
  • Wilma Coral de Lima (Ministério do Trabalho e Emprego – Delegacia Regional do Trabalho / SC)

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