A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, decidiu, por maioria de votos, que o Departamento Regional do Serviço Social da Indústria no Estado do Rio de Janeiro terá de pagar diferenças salariais a uma ex-funcionária que sofreu rebaixamento funcional após exercer durante 20 anos as funções de gerente responsável pelos centros de atendimento do Sesi, onde começou a trabalhar em 1947. A administradora, atualmente com 75 anos, foi exonerada do cargo de “gerente operacional II” no mesmo dia em que passou a vigorar o novo plano de cargos e salários do SESI-RJ. Além de não ser extinto, o cargo teve sua remuneração praticamente dobrada. A funcionária foi transferida para uma saleta, com uma mesa e uma cadeira, e, desde então, não mais recebeu atribuições, até ser demitida sem justa causa no ano seguinte.
O relator do recurso, juiz convocado Luiz Philippe Vieira de Mello Filho concluiu que a funcionária, em face do rebaixamento funcional, sofreu prejuízo moral ao passar pela humilhação de “ser posta de lado, como um objeto que não serve mais”, depois de tantos anos dedicados a empresa. “A manutenção na estrutura salarial de cargos comissionados da empresa da função exercida pela reclamante há mais de 20 anos impede, subjetivamente quanto a esta, seja-lhe conferida nova atividade de nomenclatura diversa, em situação de inferioridade técnica na escala de cargos, ainda que mascarada por pequeno acréscimo patrimonial, a fim de assegurar a estabilidade econômica em detrimento da diminuição moral e profissional da prestadora de serviço”, afirmou Vieira de Mello.
Em primeiro e segundo graus, a ação trabalhista da funcionária foi rejeitada por não ter havido redução salarial. A Vara do Trabalho e o TRT do Rio de Janeiro também julgaram não haver direito adquirido do empregado à permanência no exercício de cargo comissionado. Na ação trabalhista, a funcionária requereu apenas a preservação de sua dignidade funcional e não buscou indenização pelos danos morais que sofreu, reparação que poderia ser perfeitamente discutida nesse caso, de acordo com o relator. Para Vieira de Mello Filho, a legislação trabalhista, na sua essência, não preserva apenas a estabilidade econômica do trabalhador, mas sua dignidade e integridade profissionais, pois do contrário “a CLT não seria uma concertação jurídica para reduzir o desequilíbrio das partes na relação de emprego”.
A administradora exercia o cargo de “gerente operacional II” desde 1975. Foi rebaixada para o cargo de “assessor técnico II” no mesmo dia em que os ocupantes do cargo de “gerente operacional II” tiveram seus salários elevados de R$ 2.729,87 para R$ 4.153,00. Como o novo salário pago era de R$ 2.910,00, as instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho consideraram que não houve redução salarial, já que no novo cargo ela passou a receber R$ 180,13 a mais. Para Vieira de Mello Filho, a decisão do TRT/RJ de que o acréscimo patrimonial obtido pela funcionária afastou possível prejuízo em sua situação funcional “reduz o Direito do Trabalho a um Direito e a legislação que o assegura a um direito meramente econômico”.
“Na realidade, olvidaram-se dois aspectos fundamentais: o primeiro, quanto a alteração qualitativa referente à qualificação contratual; o segundo, quanto à preservação na nova estrutura salarial dos cargos comissionados daquele cargo que fora exercido pela reclamante há mais de 20 anos”, afirmou o relator. Para ele, o suposto aumento inferior a R$ 200,00 não exime o SESI-RJ da configuração de redução salarial. “Tem-se que o suposto aumento caracteriza, sim, um indício objetivo da fraude a que refere-se o artigo 9º da CLT”, afirmou. Esse artigo dispõe que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente CLT”.
No recurso ao TST, a defesa da funcionária argumentou que além de sofrer redução salarial, a administradora foi discriminada funcionalmente, já que o SESI-RJ a “promoveu”, criando inclusive cargo que nunca existiu no quadro da empresa, com a única finalidade de obstar a percepção do novo salário destinado ao “gerente operacional II”, cargo que continuou a existir na nova estrutura, com remuneração praticamente dobrada. A defesa também demonstrou que o salário de “assessor técnico II” era exatamente o mesmo pago aos ocupantes do cargo de “gerente operacional I”. “O que nos leva a concluir, sem medo de errar, que o apelido atribuído à autora teve apenas como objetivo a descaracterização da flagrante e inequívoca redução salarial procedida pelo SESI-RJ, ao diminuir seu salário de R$ 4.153,00 para R$ 2.910,00”, afirmou o advogado.
A defesa também alegou que no dia em que a nova estrutura organizacional foi implantada (01/03/1996), a funcionária chegou a exercer a função de gerente e
somente ao final do tarde foi informada sobre sua “promoção”.
O SESI-RJ rebateu os argumentos, afirmando que a partir do dia 01/03/1996 foram revogados todos os cargos comissionados e funções gratificadas existentes na véspera. “Com a implantação da nova estrutura organizacional no SESI-RJ, os ocupantes de cargos comissionados e os de funções gratificadas voltaram a ocupar os respectivos cargos de carreira”, afirmou a defesa da instituição. A assertiva no entanto foi contestada pela defesa da funcionária, que juntou provas de que um outro gerente operacional II foi mantido no cargo, tendo seu salário elevado de R$ 2.729,87 para R$ 4.153,00. “A atitude do empregador é vedada por lei e afronta o principio constitucional da irredutibilidade salarial. A real intenção do SESI-RJ era forçar um pedido de demissão, impedindo-a de permanecer no cargo que ocupava há mais de 20 anos”, afirmou o advogado da funcionária.
O ministro Emmanoel Pereira, que acompanhou o relator após pedir vista do processo, afirmou que apesar de não ter havido teoricamente prejuízo financeiro à empregada, elementos fáticos demonstram o intuito do empregador de diminuí-la moralmente. Para o ministro João Oreste Dalazen, que divergiu do relator, esse aspecto fático não foi enfrentado pelas instâncias ordinárias, apesar de sua relevância. Por isso não caberia ao relator do recurso no TST extrair essa alegação da petição inicial da empregada. “Lembro-me, com clareza, ter sido esta a maior preocupação do ministro Dalazen, quando observou que o aspecto fático levantado pelo relator teria sido extraído de alegação contida na petição inicial. Após o exame detido dos autos, pude constatar que este elemento fático foi efetivamente enfrentado na sentença de primeiro grau. A alegação foi utilizada para se julgar improcedente o pedido da empregada”, afirmou.
A Primeira Turma do TST acolheu o recurso para determinar a retificação na Carteira de Trabalho da funcionária, para registrar a função de “gerente operacional II” até o término do contrato de trabalho, com o pagamento das diferenças salariais respectivas, tendo como base o salário fixado na nova tabela para o cargo de “gerente operacional II” e aquele efetivamente recebido pela funcionária a partir de maio de 1996 até a dispensa.A decisão terá reflexos em férias acrescidas de 1/3, 13º salários, licenças-prêmio, anuênios, triênios, horas extras, repousos, aviso prévio e FGTS com o acréscimo da indenização de 40%, como se apurar em execução de sentença. (RR 562158/1999)