Quarta-feira, 30 de outubro de 2024

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Projeto de lei na Assembléia Legislativa do Espírito Santo

JUSTIFICATIVA

Sentimos hoje, como em nenhum outro momento da nossa história, as consequências das transformações incessantes no mundo do trabalho, provocadas pela introdução de novas tecnologias e pelo vigor do processo de envolvimento global dos fatores econômicos, políticos e sociais. A informação em tempo real nos leva a conhecer e a sofrer as consequências dessas transformações.

Novas formas de administração, reengenharia e reorganização são conceitos que expressam profundas mudanças no fazer, no pensar e no sentir das pessoas e das instituições, públicas e privadas. Alguns setores tendem a querer ocultar ou banalizar seus significados e os resultados de sua expressão prática. A extensão de suas consequências tornam inúteis, infrutíferos ou criminosos tais esforços.

Os efeitos de todas essas mudanças se fazem sentir não apenas na produção de bens materiais de grande apelo comercial. Seus efeitos são sentidos, principalmente, pelas pessoas – que consomem, que trabalham. Convivemos, pois, com mudanças nas relações de trabalho, porém pouco se fala sobre seus efeitos na vida dos trabalhadores em geral.

A necessidade de maior produtividade por parte do funcionário, os novos métodos de gerência, por exemplo, colocam as pessoas em competição, estimulando-as ao cumprimento de metas, atribuições, tarefas, o que, se por um lado o estimula ao desenvolvimento profissional e pessoal no trabalho, por outro lado tem provocado condutas impróprias, ofensivas à dignidade do trabalhador, autêntica “tirania nas relações de trabalho”, como é chamada nos Estados Unidos, ou seja, o denominado “assédio moral”, que atinge vasta camada, milhões de trabalhadores, no mundo inteiro.

O jornal Folha de São Paulo, em matéria assinada pelo jornalista Luciano Grüdtner Buratto, abordou sob o título de TORTURA PSICOLÓGICA (Golpear a auto-estima de funcionários torna-se estratégia para afastá-los – Assédio moral apressa demissão) a questão ora debatida. “Foi-se o tempo do chefe grosseiro. Hoje o mercado oferece uma variedade de métodos mais sutis para quem quer demonstrar poder ou apressar o pedido de demissão de algum funcionário. Escolhido o alvo, basta seguir a cartilha : sobrecarregá-lo de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê. Logo os colegas voltam-se contra a vítima. Isolada, sente-se incompetente. Só lhe resta pedir as contas. O “método” tem nome – assédio moral, e a detração não se restringe ao âmbito profissional: mina a saúde física e mental da vítima, corroendo sua auto-estima.”

O problema começa, normalmente, com críticas constantes do agressor ao trabalho de um funcionário, que é impedido de trabalhar ou, ao contrário, vê-se sobrecarregado de tarefas. Ao impedir a vítima de trabalhar adequadamente, o agressor pode mais facilmente criticá-la. Em seguida, ele rompe as alianças que ele poderia ter e o isola, não lhe dirige mais a palavra, não o convida mais para as reuniões e, por fim, se ele tenta se defender, o humilha, critica sua vida privada e faz pouco caso de suas opiniões. A essa altura, a saúde dessa pessoa já está fortemente alterada. O que é importante frisar é que, independentemente da causa do assédio, uma vez iniciado, espalha-se rapidamente a todo o grupo, que dá as costas à vítima e fica ao lado do mais forte (FSP, 2001).

Conforme relatado na matéria jornalística, no Brasil o tema é ainda pouco discutido, mas os números também assustam. Estudo feito com 97 empresas de São Paulo (setores químico, plástico e cosmético) mostra que, dos 2.072 entrevistados, 870 deles (42 %) apresentam histórias de humilhação no trabalho. Segundo o estudo, realizado pela médica Margarida Barreto, pesquisadora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), as mulheres são as maiores vítimas – 65 % das entrevistadas têm histórias de humilhação, contra 29 % dos homens. O medo é grande. A maioria dos entrevistados não quis se identificar e está recebendo nesta reportagem um nome fictício.

Pesquisa pioneira realizada pela O. I .T. – Organização Internacional do Trabalho, realizada em 1996, constatou que pelo menos 12 milhões de europeus sofrem desse drama. Problemas quase clandestino e de difícil diagnóstico, é bem verdade, essa verdadeira arma química se não combatida de frente pode levar à debilidade a saúde de milhões de trabalhadores.

Definido como todo comportamento abusivo (gesto, palavra e atitude) que ameaça, por sua repetição, a integridade física ou psíquica de uma pessoa, degradando o ambiente de trabalho, o assédio moral é caracterizado por micro agressões, pouco graves se tomadas isoladamente, mas que, por serem sistemáticas, tornam-se destrutivas.

Segundo a psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, autora de estudos sobre o assunto, em obras publicadas em 1998 – Harcèlement Moral (Assédio Moral) e Malaise dans le Travail ( Mal-estar no Trabalho), a punição ao “assédio moral” ajudaria a combater o problema , pois “imporia um limite ao indivíduo perverso”.

Na França, a Assembléia Nacional votou no início de 2001, Projeto de Lei que pune o assédio moral no trabalho. Alterando o Código do Trabalho francês, no capítulo intitulado “Luta Contra o Assédio Moral”, o projeto pune com sanção disciplinar todo trabalhador que tenha praticado assédio moral no trabalho, protegendo de qualquer sanção aquele que testemunhar e relatar essas atitudes condenáveis. Reconhece ainda a nulidade de pleno direito de toda ruptura de contrato resultante assédio moral.

No Brasil o tema também vem ganhando notoriedade, tendo sido objeto de proposituras legislativas no Estado de São Paulo, tanto na Assembléia quanto em alguns de seus Municípios (o Município de Iracemápolis já dispõe de lei aprovada e regulamentada).

Esta propositura é uma contribuição do Legislativo do Estado do Espírito Santo na luta contra o assédio moral, razão pela qual esperamos contar com o apoiamento de toda esta Casa no seu aprimoramento e futura aprovação.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Projeto de lei nº 128/2002

A Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo decreta:

Artigo 1º – Ficam os órgãos da administração pública, direta, indireta e`fundacional dos Três Poderes do Estado obrigados a prevenir, a coibir e, quando for o caso, a apurar a prática de assédio moral contra servidor público ou por ele cometido contra outro servidor ou usuário de serviço público, nos termos desta lei.

Artigo 2º – Considera-se assédio moral, para os fins de que trata esta lei, toda ação, gesto ou palavra praticada de forma repetitiva por aquele que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções públicas, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio usuário, bem como a evolução na carreira e à estabilidade funcional do servidor, especialmente:

  1. determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo ou função que ocupa, ou em condições e prazos inexeqüíveis;
  2. determinando ao exercente de funções ou cargos técnicos, especializados ou mesmo para os quais se exijam treinamento e conhecimentos específicos, a execução de atividades triviais;
  3. apropriando-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem.

Parágrafo único – Considera-se também assédio moral as ações, gestos e palavras que impliquem:

  1. em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros;
  2. na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis a sua vida funcional;
  3. na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços que atinjam a dignidade do servidor;
  4. na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, com prejuízo para o seu desenvolvimento pessoal ou profissional.

Artigo 3º – Todo ato resultante de assédio moral é nulo de pleno direito.

Artigo 4º – O assédio moral praticado por quem exerça função de autoridade na administração pública nos termos desta lei, é infração grave e sujeitará o infrator às seguintes penalidades:

  1. advertência;
  2. suspensão;
  3. demissão.

§ 1º – Na aplicação das penalidades serão considerados os danos que dela provierem para o servidor e para o serviço prestado ao usuário pelos órgãos da administração direta, indireta e fundacional, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

§ 2º – A advertência será aplicada por escrito nos casos que não justifiquem imposição de penalidade mais grave.

§ 3º – A penalidade de advertência poderá ser convertida em freqüência a programa de aprimoramento do comportamento funcional, ficando o servidor obrigado a dele participar regularmente, permanecendo em serviço.

§ 4º – A suspensão será aplicada em caso de reincidência de faltas punidas com advertência.

§ 5º – Havendo conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, em montante ou percentual calculado por dia, à base dos vencimentos, remuneração ou subsídio, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

§ 6º – A demissão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com suspensão.

Artigo 5º – Por provocação da parte ofendida, ou de ofício por autoridade que tiver conhecimento da prática de assédio moral, será promovida sua imediata apuração, mediante sindicância ou processo administrativo.

Parágrafo único – Parágrafo único – Nenhum servidor poderá sofrer qualquer espécie de constrangimento ou ser sancionado por ter testemunhado atitudes definidas neste artigo ou por tê-las relatado.

Artigo 6º – Fica assegurado ao servidor acusado da prática de assédio moral direito de ampla defesa das acusações que lhes forem imputadas.

Artigo 7º – A receita proveniente das multas impostas e arrecadadas nos termos do Art. 4º, será revertida e aplicada exclusivamente no programa de aprimoramento e aperfeiçoamento funcional do servidor.

Artigo 8º – Esta Lei será regulamentada pelo Chefe do Poder Executivo no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data de sua publicação.

Artigo 9º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Artigo 10º – Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio Domingos Martins, Vitória- ES, 20 de março de 2002.

Lelo Coimbra, deputado estadual

O uso deste material é livre, contanto que seja respeitado o texto original e citada a fonte: www.assediomoral.org