Segue

Segue

Segue…
Sempre assim…. com liberdade
Sempre sabendo que se tem
A si… e o melhor do amor

Vai, vai criatura….
Sem medo…
Sem vantagens…..
Sem arrependimentos….

Em frente…
Alargando sua estrada.
Usando apenas seu melhor pensamento…
Seu mais doce carinho….

Sempre assim…
Cheio de si.
Cheio de mim
Cheio enfim desse mundo sem fim…..

 

Lea Arruda

Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida,
E de mãos dadas,
Marcharemos todos pela vida verdadeira

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
Inclusive às terças-feiras mais cinzentas,
Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
Haverá girassóis em todas as janelas,
Que os girassóis terão direito
A abrir-se dentro da sombra;
E que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas par o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu
Parágrafo único
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo
gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final:
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

 

Thiago de Mello
para Carlos Heitor Cony

No mundo há muitas armadilhas

No mundo há muitas armadilhas

“No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
(e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga.

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.

Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.”

 

Ferreira Gullar

Eu te perdôo, vida

Eu te perdoo, vida

Eu te perdôo, Vida, pela tua estranha beleza!
– as noites frias que gelaram
a carne tenra dos órfãos pequeninos,
os ventos ríspidos que fustigaram
a choupana dos velhos e dos enfermos,
as tempestades em que naufragaram
nos barcos leves dos pescadores, nos mares ermos…

Perdôo a insânia com que distribuis
– esbanjadora às vezes, outras vezes avara –
as tuas moedas e os teus códigos,
a injustiça que acusa a inocência indefesa,
a insônia das mães que têm filhos pródigos,
a angústia irremediável que pesa sobre o destino dos poetas.

E mais te perdoara,
Vida, pela tua misteriosa beleza!

Perdôo-te em nome dos mais infelizes,
daqueles que não tiveram missão a cumprir,
dos que se deixaram arrastar pela correnteza,
dos que só conheceram o mundo obscuro das raízes.

Perdôo-te em nome de todos os homens, em nome
Dos que já não existem e dos que estão no porvir,
Porque há sempre na vida de cada homem
Um dia de loucura em que és perdoada,
Vida, pela tua perturbadora beleza!

Perdôo-te pela poesia de uma noite enluarada
Em que houve beijos e juramentos eternos
Sob o arvoredo enflorescido
– desconhecido por ser mais belo do que tu,
Vida, de enigmática beleza!

Eu te perdôo por ti mesma, Vida,
Pela tua beleza ardente e inviolável de esfinge!

 

Henriqueta Lisboa

Amor é um fogo que arde sem se ver

Amor é um fogo que arde sem se ver

“Amor é um fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

 

Luís Vaz de Camões

Digo Sim

Digo sim

“Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que meu coração
é um sol de esperanças entre pulmões
e nuvens

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no Carnaval
da Avenida.

Mas não. O poeta mente.
A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio à fome
e dizendo sim

– em meio à violência e a solidão dizendo
sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo meu filho perdido
neste vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que virá enfim,
não digo que a vida é bela

Tampouco me nego a ela:
– digo sim”.

 

Ferreira Gullar

Caçador de mim

Caçador de mim

Por tanto amor
por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
manso ou feroz
eu… caçador de mim
Preso a canções
entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
longe do meu lugar
eu… caçador de mim

Nada a temer
senão o correr da luta
Nada a fazer
senão esquecer o medo
Abrir o peito à força
numa procura
Fugir às armadilhas
da mata escura
Longe se vai
sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
o que me faz sentir
eu… caçador de mim

 

Milton Nascimento

Meu nome é Luciene

Meu nome é Luciene

Meu nome é Luciene, moro em Minas Gerais.
Não me importo quanto a divulgação de meu nome,
ele é muito bonito foi minha mãe que escolheu.

Nascer chorando, todos nascem.
Viver chorando, todos vivem.
Mas a minha dor é só minha
E carregarei para o resto de minha vida.
Às vezes me pergunto por que não muda.

Sou negra, mãe solteira e agora acougueira.
Tenho domínio esta área, serviço que é de homens,
Poderia ser o meu orgulho, mas é minha insatisfação.
Só tenho ele para sustentar meus filhos.
Queria realizar minhas paixões: Lecionar e escrever.

Quando comecei, era caixa.
Quis aprender o oficio, fui explorada.
Me ensinaram tudo o que precisava saber sobre açougue.
Me bateram com palavras odiosas do qual não tenho coragem de dizer.
Pensei em meus filhos, por isso fiquei e aprendi me defender.

Um ano de sofrimento, o favor virou obrigação.
Por fim me deram um cargo de confiança
Já era gerente de um do açougue.
Não posso confirmar esta promoção, pois na carteira continuava caixa.
O real… Ah! o real….
Eu era açougueira, caixa, balconista, gerente e faxineira.
Uma enorme sobrecarga.
Patrão xingando, poucas vendas.

A minha luta começou aí.
Correr atrás dos clientes, não deixar a carne perder, ser higiênica, não deixar dinheiro faltar, não deixar venda cair, aumentar o lucro.
Só tinha hora de pegar, sem hora de largar.
Maldito horário de verão que veio só para aumentar minha jornada de trabalho.
Não pode ir embora sem antes vim a lua, as estrelas, o céu negro.

Meu filho conhece mais a noite do que o dia.
As vezes que me esperou,
As vezes dormiu sem esperar,
As vezes em minha angustia e desespero,
Eu o repreendi.
Diante das poucas vezes que pude vê-los,
Eu fui má.

Noites negras, escuras, prisão.
Quantas vezes não dormi tentado achar solução,
Para o comercio de meu patrão.
Que até então descansava em sua mansão.
A dengue que perfurava meu corpo e minhas vistas,
Me aquecia e esfriava ao mesmo tempo.
Nem assim tive perdão.

– Folga! Só na sexta-feira da paixão.- Assim disse o meu patrão.
O meu sangue ferveu de raiva, enfrentei meu patrão, cuidei de mim.
No outro dia percebi que eles precisavam de mim.
Aí fui feliz.
Até que um dia uma discussão tola me fez pensar.
E o patrão dizer:
– Se você não trabalhar aqui onde irá?
Fui subestimada.
– Se você não trabalhar aqui onde irá?
Fui humilhada, dependo deles para viver.

De baixos dos panos arrumei outro emprego de acougueira.
Desta vez num hipermercado do qual trabalho até o momento
Finalmente pude ter mais tempo para meus anjinhos.
As preocupações com o comercio acabaram.
Tudo o que tenho que fazer é cumprir meu horário e fazer o serviço direito.

Mas, nem tudo são flores.
Trabalho só com homens sendo eu a única mulher acougueira.
Tenho a satisfação de alguns clientes e colegas.
Alguns são grosseiros.
– Desde que as mulheres vieram trabalhar aqui isto virou um puteiro.
“Um puteiro”, foi o que disseram.

Isso quando não precisam de dizer que
Fico nervosa por falta de homens.
Quando também outra mulher diz que
Quem é dona de casa precisa de tempo maior para cuidar.
Só por que não tenho marido significa que não preciso de tempo maior?

As vezes queria nascer de novo e ter uma chance na sociedade.
Mas ela rejeita tanto, que acho que meu espírito não deva atrever voltar.
Hoje tenho dores no braço direito, sei que é ler, mas prefiro dizer que não é.
Sou muito nova para adoecer e pobre demais para me dar o luxo de sentir dor.
Sou extremamente nervosa, sem paciência, vivo no futuro e esqueço o presente.

Me sinto doente, para escrever isso me custou muitas lágrimas e dores no braço. Para mim vale a pena, pois tenho um sonho de poder escrever, ficou mais distante com essa dor, mas sei que alguém ira ler, esta é uma satisfação que ninguém paga. Só queria que muitos pudessem ler, lutar e escrever suas histórias.

 

Fresta

Fresta

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,

Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado

Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

 

Fernando Pessoa

Amigo Aprendiz

Amigo Aprendiz

“Quero ser teu amigo
Nem demais e nem de menos
Nem tão longe e nem tão perto
Na medida mais precisa que eu puder
Mas amar-te como próximo, sem medida,
E ficar sempre em tua vida
Da maneira mais discreta que eu souber

Sem tirar-te a liberdade
Sem jamais te sufocar
Sem forçar a tua vontade
Sem falar quando for a hora de calar
E sem calar quando for a hora de falar

Nem ausente nem presente por demais,
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo,
Mas confesso,
É tão difícil aprender,
Por isso, eu te peço paciência
Vou encher este teu rosto
De alegrias, lembranças !
Dê-me tempo
De acertar nossas distâncias !!! “

 

Fernando Pessoa