Sábado, 27 de julho de 2024

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Lei complementar na Câmara Municipal de Porto Alegre – RS

JUSTIFICATIVA

A exploração do trabalhador na produção de bens e serviços remonta ao período da antiguidade quando escravos eram recrutados à força.

A transição do trabalho escravo para atividades laborais remuneradas ocorreu somente na modernidade. No lugar do feitor surgiu o administrador, a jornada de trabalho, o descanso remunerado e a previdência, quando o trabalhador adquire valor naquela nova ordem econômica.

Contudo, até os dias atuais a saúde dos trabalhadores é atingida por relações de trabalho mal sucedidas dando margem ao surgimento a danos físicos e até mesmo ao óbito. Esta violência tem previsão legal sendo a saúde e a incolumidade física do trabalhador bens tutelados, inclusive penalmente.

Deste modo, as lesões corporais e as mortes decorrentes do trabalho podem ensejar ações penais, sejam em função de comportamentos ditos dolosos ou ainda, como sói acontecer, culposos.

Também são conhecidas ações judiciais de natureza indenizatória em defesa dos interesses dos trabalhadores vítimas de tais violências.

Através do presente projeto de lei vimos chamar a atenção para outra forma de violência e criar um sistema protetivo do trabalhador da Administração Municipal, seja direta ou indireta. Esta outra violência, consubstanciada em comportamentos abusivos que atingem a psique do trabalhador causando danos à sua estrutura emocional. Isto ocorre pela prática reiterada que é temperada, o mais das vezes, pela ironia, mordacidade e capricho, com evidente desvio e abuso de poder do superior hierárquico.

Ditados por razões de ordem interna, mas sob a aparente máscara de exercer a autoridade ditada pelo serviço, o superior hierárquico passa a tomar atitudes tendenciosas e discriminatórias contra o indigitado funcionário, submetendo-o a um verdadeiro festival de torturas. E este, por temor de perder o emprego ou sofrer outro gravame, submete-se. As conseqüências afloram posteriormente, sob a forma de doenças psicossomáticas, inclusive.

A grave a situação já diagnosticada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os estudos por ela apresentados demonstram que, na União Européia 9% (nove por cento) dos trabalhadores, correspondendo a 13.000,000 (treze milhões) de pessoas, convivem com tratamentos tirânicos de seus patrões.

Estima-se que entre 10% (dez por cento) dos suicídios na Suécia sejam decorrentes desse comportamento abusivo.

No Brasil, o fato foi comprovado por estudos científicos elaborados pela Dra. Margarida Barreto, médica do trabalho e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Em dois anos e meio de pesquisas ela constatou que nas consultas realizadas em sindicatos, as pessoas queixavam-se de males generalizados.

Aprofundando suas análises verificou que 80% (oitenta por cento) dos entrevistados sofriam dores generalizadas, 45% (quarenta e cinco por cento) apresentavam aumento de pressão arterial, mais de 60% queixavam-se das palpitações e tremores e 40% (quarenta por cento) sofriam redução da libido.

Transcrevemos quadro tabulado, originado ainda dessa pesquisa, que demonstra a maneira como o homem e a mulher respondem à provocação dos seus chefes, provocação esta já denominada assédio moral.

Sintomas Mulheres Homens
Crises de choro 100
Dores generalizadas 80 80
Palpitações, tremores 80 40
Sentimento de inutilidade 72 40
Insônia ou sonolência excessiva 69,6 63,6
Depressão 60 70
Diminuição da libido 60 15
Sede de vingança 50 100
Aumento da pressão arterial 40 51,6
Dor de cabeça 40 33,2
Distúrbios digestivos 40 15
Tonturas 22,3 3,2
Idéia de suicídio 16,2 100
Falta de apetite 13,6 2,1
Falta de ar 10 30
Passa a beber 5 63
Tentativa de suicídio 18,3

O assunto é relevante e já ensejou em nosso país três iniciativas a nível municipal, para coibir o abuso. Projetos similares já foram apresentados em Iracemópolis, interior de São Paulo, Curitiba e na Capital de São Paulo. Tendo em vista estes exemplos, não poderia ser diferente que a Capital da melhor qualidade de vida, incluísse no Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais esta Lei Complementar que elidirá o assédio moral no serviço público municipal.

Na Suécia a matéria foi convenientemente regulada a nível federal e desde 1993 o assédio moral é considerado ação delituosa.

A conduta que pretendemos tipificar como delito administrativo caracteriza-se pela reiteração de atos vexatórios e agressivos à imagem e a auto-estima do funcionário. Cite-se, como exemplo, marcar tarefas impossíveis ou assinalar tarefas singelas para pessoa que desempenhe satisfatoriamente função mais complexa; ignorar o empregado, só se dirigindo a ele através de terceiros; sobrecarregá-lo com tarefas que são repetidamente desprezadas; mudar o local de trabalho para outro em precárias instalações, como depósito, garagens, etc.

Acreditamos ter demonstrado, com elementos concretos, a existência de uma conduta nociva e perigosa que urge coibir.

A legislação federal vem sendo complementada no sentido de mais e melhor proteger os trabalhadores em suas relações de trabalho. Recentemente a aprovação da Lei do Assédio Sexual (Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001) pelo Congresso Nacional, coibiu um comportamento semelhante ao assédio moral, uma vez que o assédio sexual também ocorre no ambiente de trabalho envolvendo trabalhadores e suas organizações hierárquicas.

Cumpre informar que, no presente ano, foram protocolados dois Projetos de Lei junto à Câmara dos Deputados tratando da mesma matéria. O primeiro, de autoria do Dep. Marcos de Jesus visa alterar o Código Penal com a inclusão do artigo 146-A que tipifica o assédio moral e define a sua pena (projeto de lei n° 4742/01). O outro, de autoria da Dep. Rita Camata, estabelece penalidades aos servidores públicos federais e suas autarquias que praticam a conduta definida como assédio moral (projeto de lei n° 4591/01).

Através desta proposição o Legislativo Municipal de Porto Alegre demonstra a sua disposição inequívoca de coibir atos que, até bem pouco tempo, sequer mereciam a devida importância.

De todo o exposto, temos certeza, os nobres edis, sensíveis à grave situação descrita, hipotecarão total solidariedade à aprovação do presente PLCL.

CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE – RS

Projeto de lei complementar nº ____/2001

Altera a Lei Complementar n° 133, Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Porto Alegre, inserindo a proibição de assédio moral, definindo a correspondente sanção administrativa.

Artigo 1° – Inclui o inciso XII-A no artigo 196 da Lei Complementar N° 133 com a seguinte redação:

Art. 196 – São deveres do funcionário: (…)

XII – A. respeitar os demais trabalhadores e trabalhadoras, especialmente os subordinados, evitando situações humilhantes, constrangedoras, desumanas e aéticas, de longa duração, repetitivas, capazes de desestabilizar a relação da vítima com o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções;

Artigo 2° – Inclui o inciso XII – A no artigo 197 da Lei Complementar N° 133 com a seguinte redação:

Art. 197 – Ao funcionário é proibido: (…)

XII – A. expor os demais trabalhadores e trabalhadoras, especialmente os subordinados, a situações humilhantes, constrangedoras, desumanas e aéticas, de longa duração, repetitivas, capazes de desestabilizar a relação da vítima com o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções;

Artigo 3° – Acrescenta parágrafo único ao artigo 202 da Lei Complementar N° 133 com a seguinte redação:

Art. 202 – (…)

Parágrafo único: São infrações administrativas as condutas descritas no inciso XII-A do artigo 197, podendo o funcionário que as praticar responder, cumulativamente, em ações cíveis ou penais próprias, desde que haja amparo legal.

Artigo 4° – Acrescenta o inciso III no artigo 206 da Lei Complementar N° 133 com a seguinte redação:

Art. 206 – (…)

  1. (…)
  2. (…)
  3. em decorrência da prática das condutas descritas no inciso XII-A do artigo 197.

Artigo 5° – Altera o inciso X e cria os parágrafos primeiro e segundo ao artigo 207 da Lei Complementar N° 133 com as seguintes redações:

Art. 207 – (…)

X. reincidência na transgressão prevista no inciso V do art. 205 e no inciso XII-A do artigo 197 deste Estatuto.

Parágrafo primeiro: Verifica-se a reincidência quando o funcionário pratica nova conduta, depois de tornada irrevogável a decisão administrativa que o tenha considerado culpado pela prática de conduta descrita no inciso XII-A do mesmo artigo 197.

Parágrafo segundo: Para efeito de reincidência não prevalece a decisão administrativa anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da sanção e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos.

Artigo 6° – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Artigo 7° – Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das sessões, 15 de junho de 2001.

Aldacir Oliboni, Vereador – PT – RS

O uso deste material é livre, contanto que seja respeitado o texto original e citada a fonte: www.assediomoral.org