Rio Grande do Sul: Lloyds Tsk Bank e Losango Promotora de Vendas condenados pela prática de assédio moral no trabalho
Área trabalhista: empresa condenada por assédio moral no trabalho
Rio Grande do Sul: Lloyds Tsk Bank e Losango Promotora de Vendas condenados pela prática de assédio moral no trabalho
O Loyds Bank Tsk Bank, acionista majoritario (83,78% do capital ) da LOSANGO Promotora de Vendas é condenado pela Justica do Trabalho gaucha pela pratica de assédio moral no trabalho a indenização por danos morais.
“Conforme parâmetros postos pelo E. STJ, o valor da indenização por danos morais deve atender não apenas a reparação, mas também o critério pedagógico e o critério punitivo”. O valor da indenização foi fixado em 50.000 reais pela sentença.
Empresa: Losango Promotora de Vendas Ltda E Lloyds Tsb Bank Plc
Número do processo: 00967.013/00-3 (RO)
Juiz: Beatriz Zoratto Sanvicente
Data de Publicação: 09/06/2003
http://www.trt4.gov.br/
Ementa: Competência. Dano Moral.Cabe à Justiça do Trabalho, no exercício de sua competência constitucional, julgar e processar ação versando sobre o ressarcimento por dano moral ajuizada pela trabalhadora contra o seu empregador, por se tratar de uma controvérsia decorrente do liame empregatício havido entre os litigantes.
Dano Moral. Configura-se situação de assédio moral o constrangimento de subordinada a carinhos não solicitados e indesejados, no ambiente de trabalho, associado à cobranças públicas de regularização de situação financeira particular e dissociada da empresa. Valor. Conforme parâmetros postos pelo E. STJ, o valor da indenização por danos morais deve atender não apenas a reparação, mas também o critério pedagógico e o critério punitivo. Majoração para R$ 50.000,00.
Responsabilidade Subsidiária. Nos termos do contrato social da primeira reclamada, o segundo réu é seu acionista majoritário, contando com aproximadamente 83,78% das cotas-parte do capital social. Grupo econômico reconhecido. Efeitos meramente patrimoniais da responsabilização solidária. Mantém-se.
Aviso Prévio Proporcional. A norma do artigo 7º, inciso XXI, da Constituição Federal não é auto-aplicável no tocante ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Orientação do Enunciado 6 deste Tribunal.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO e RECURSO ADESIVO, interpostos de sentença da 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes Losango Promotora de Vendas Ltda. e Lloyds Tsb Bank Plc e Janaína Pereira Cardoso, respectivamente, e recorridos os mesmos.
Recorrem ordinariamente os reclamados. Argüem, preliminarmente, a nulidade parcial do decisum por negativa de prestação jurisdicional. Alegam ser imperativa a discriminação da natureza jurídica das parcelas, sendo imperativo ao Juízo originário assim proceder, especialmente ante os termos da Lei 10.035/2000, conferindo nova redação ao § 3º do art. 832 da CLT. Aduzem a oposição de embargos de declaração sem, contudo, lograr o efetivo pronunciamento do Juízo. Requerem o retorno dos autos à origem para tal fim. Renovam preliminar de incompetência deste Juízo para processar e julgar reclamatória onde a reclamante postula indenização por dano moral, pois não versa sobre relação de emprego. Requerem a extinção do feito sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, IV, do Código de Processo Civil. Sustentam ser indevida a condenação subsidiária do segundo reclamado. Alegam não ter restado demonstrado o fato de estar uma das empresas sujeita a controle ou direção da outra, restando inatendido um dos requisitos postos no § 2º do art. 2º da CLT, e tampouco o fato de não ter a primeira reclamada, Losango, idoneidade financeira suficiente para fazer frente a eventual condenação. Acenam com o fato de ter sido a primeira reclamada quem contratou a autora, assalariando-a e promovendo a rescisão contratual, restando totalmente injustificada a condenação, neste particular.
Quanto ao dano moral, asseveram ser contraditória a prova produzida no presente feito, reportando-se aos depoimentos das testemunhas. Aduzem não ter a testemunha Luciana Fernandes identificado quem Tarcísio teria atacado, alegando terem as testemunhas Nara de Fátima Lima Fortuna e Cristiane Medeiros prestado depoimentos vagos. Referem os depoimentos das testemunhas Maria Zemira Bernardes, alegando desconhecer ataques por parte de Tarcísio a funcionários da empresa, e de Alexandre Oliveira, alegando desconhecer prática de assédio sexual por Tarcísio às empregadas. Sustentam não consistir a atuação de Tarcísio, de beijar, agarrar e abraçar as funcionárias como assédio sexual, por não verificada a imposição da vontade de uma parte sobre a outra e tampouco a remanescência de seqüelas dolorosas, tampouco se enquadrando no art. 216-A do Código Penal, inserido pela Lei 10.224 de 15.05.2001. Asseveram inexistir prejuízo, razão de não ser devida qualquer indenização.
Sucessivamente, alegam excessiva a indenização fixada, em R$ 5.000,00, por desprovida de qualquer fundamento. Ponderam ter a reclamante trabalhado por quarto anos e três meses, recebendo, como última remuneração, R$ 435,06, consistindo referida indenização em 12 meses de salário da autora, verba de proporções supostamente absurdas. Quanto às horas extras, alegam restar extra petita a decisão, porquanto a autora veiculou pretensão específica, referente ao número inferior de horas laboradas, não se coadunando com o intervalo alegadamente não fruído. Requerem seja ajustada a condenação, de molde a se considerar os 35 minutos do intervalo fruído, acrescido de 30min da jornada compensatória para elidir a condenação em horas extras. Acenam com o disposto na prova oral, depoimento da testemunha Nara, no sentido de poder anotar todas as horas trabalhadas no livro. Sustentam ser equivocada a decisão quanto à devolução de descontos, porquanto referente aos vales fornecidos em janeiro, quando a autora ainda trabalhava para a primeira reclamada. Quanto à integração do prêmio performance, alegam ser descabida a integração nas parcelas deferidas pelo Juízo de origem, porquanto a parcela detém natureza aleatória, constituindo-se numa parcela de valor variável, adequando-se ao disposto no Enunciado 253 do E. TST, requerendo seja reformada a sentença para excluir os reflexos deferidos na origem. Aos depósitos de FGTS, asseveram ter restado a sentença totalmente divorciada do laudo contábil, porquanto o contador afirmou estarem corretos os depósitos, requerendo seja excluída da condenação a parcela, já saldada. Quanto à multa indenizatória de 40% sobre os depósitos do FGTS, aduzem ter concluído o contador serem devidos R$ 8,18, nos termos do quesito 1.4. da autora e do quesito 12 dos reclamados, requerendo a limitação da condenação nos termos do laudo contábil.
A reclamante interpõe recurso adesivo, destrancado por agravo de instrumento em apenso. Requer a majoração do valor da indenização por danos morais, em razão da proporção do dano sofrido e também por conta do caráter pedagógico da medida. Postula, ainda, sejam declarados inválidos os controles de horário, sendo considerada confessa a primeira reclamada quanto a esse aspecto e acolhida a jornada declinada na inicial, em razão da existência de controle paralelo, situação demonstrada mediante prova oral. Pede seja considerada como extraordinário o labor excedente à oitava hora diária, porquanto a norma coletiva apenas prevê a possibilidade de adoção de jornada compensatória, sem a impor. Reporta-se à defesa da primeira reclamada, alegando não ser adotado regime compensatório. Pede a condenação dos reclamados ao pagamento de honorários advocatícios, alegando não ser monopólio dos sindicatos profissionais a assistência judiciária. Requer seja deferido aviso prévio proporcional, na forma do Precedente 13 deste Tribunal. Postula não sejam autorizados os descontos previdenciários e fiscais, porque serão efetuados a maior em razão de não terem os reclamados pago as parcelas devidas nas épocas próprias.
Ambos os litigantes apresentam contra-razões.
Prazos e preparo aos moldes legais.
Sobem os autos a este Tribunal.
É o relatório.
Isto Posto:
PRELIMINARMENTE.
1. Contra-Razões. Protocolo. Conhecimento.
A petição de interposição das contra-razões de recurso, apresentadas pela reclamante, não traz protocolo lançado. Foi juntada ao presente feito, sem passar por juízo prévio de admissibilidade no primeiro grau. A certidão da fl. 541 consigna: “Certifico que, por ocasião da juntada do recurso ordinário da autora, fls. 470/480, petição protocolada em 30.11.01, foram encontradas, na contracapa, contra-razões da autora, ao RO da reclamada, petição esta sem protocolo. Certifico, ainda, que nesta data está sendo procedida a juntada da mencionada petição.” Conforme certidão de carga dos autos, fl. 529, estes saíram com o procurador Roberto Olszewski em 22.11.2001 e retornaram em 30.11.2001. A petição de interposição do recurso adesivo traz protocolo lançado em 30.11.2001, e aquela apresentando contra-razões de recurso, embora sem protocolo, consigna a mesma data da primeira, referente ao recurso adesivo, 27.11.2001. Ante os termos das certidões exaradas pela secretaria da 13ª Vara de Porto Alegre, e sabendo que o protocolo é centralizado nesse Foro, merecem conhecimento as contra-razões recursais, porquanto tudo indica terem sido atempadamente apresentadas, muito embora não consignem número de ordem de protocolo.
2. Nulidade. Negativa De Prestação Jurisdicional.
Os reclamados argüem a nulidade parcial do decisum por negativa de prestação jurisdicional. Alegam ser imperativa a discriminação da natureza jurídica das parcelas, sendo imperativo ao Juízo originário assim proceder, especialmente ante os termos da Lei 10.035/2000, conferindo nova redação ao § 3º do art. 832 da CLT. Aduzem a oposição de embargos de declaração sem, contudo, lograr o efetivo pronunciamento do Juízo. Requerem o retorno dos autos à origem para tal fim.
Sem razão.
A natureza jurídica das parcelas lhe é inerente. Não há necessidade de fixação expressa, uma a uma, de sua natureza. No caso, é evidente deterem natureza salarial as parcelas referentes às horas extras, depósitos de FGTS e integração do prêmio-performance, e indenizatória as demais, indenização por dano moral e aquelas referentes às devoluções, de descontos efetuados na rescisão, de passagens de ônibus. Ademais, as parcelas indenizatórias, que não são a regra na relação empregatícia, estão especificadas como tal, salvo o desconto do tíquete restaurante, efetuado na rescisão. Todavia, por se tratar de devolução de desconto, é evidente sua natureza indenizatória, por resultar em restituição, enquadrando-se como pagamento por perdas e danos.
Rejeita-se.
NO MÉRITO.
1. Dano Moral. Valor. (matéria comum a ambos os apelos)
Os reclamados asseveram ser contraditória a prova produzida no presente feito, reportando-se aos depoimentos das testemunhas. Aduzem não ter a testemunha Luciana Fernandes identificado quem Tarcísio teria atacado, alegando terem as testemunhas Nara de Fátima Lima Fortuna e Cristiane Medeiros prestado depoimentos vagos. Referem os depoimentos das testemunhas Maria Zemira Bernardes, alegando desconhecer ataques por parte de Tarcísio a funcionários da empresa, e de Alexandre Oliveira, alegando desconhecer prática de assédio sexual por Tarcísio às empregadas. Sustentam não consistir a atuação de Tarcísio, de beijar, agarrar e abraçar as funcionárias como assédio sexual, por não verificada a imposição da vontade de uma parte sobre a outra e tampouco a remanescência de seqüelas dolorosas, tampouco se enquadrando no art. 216-A do Código Penal, inserido pela Lei 10.224 de 15.05.2001. Asseveram inexistir prejuízo, razão de não ser devida qualquer indenização. Sucessivamente, alegam excessiva a indenização fixada, em R$ 5.000,00, por desprovida de qualquer fundamento. Ponderam ter a reclamante trabalhado por quarto anos e três meses, recebendo, como última remuneração, R$ 435,06, consistindo referida indenização em 12 meses de salário da autora, verba alegadamente de proporções absurdas.
A reclamante requer a majoração do valor da indenização por danos morais, em razão da proporção do dano sofrido e também por conta do caráter pedagógico da medida.
Tarcísio Bandeira, de beliscar, agarrar e beijar os subordinados do sexo feminino, fundamentando ter restado evidenciado o abuso da condição de subordinada da reclamante. Fixou a indenização devida em R$ 5.000,00.
1. Dano. Assédio moral
Em suma, sustentam os reclamados não ter restado comprovado o dano moral, quer pela inocorrência de atos tendentes a tanto, quer pela ausência de dano.
Sem razão.
A prova oral produzida no âmbito do feito permite concluir pela caracterização inequívoca de dano moral, na modalidade de assédio moral. A autora narra, na petição inicial, situação de pressão, desconforto e abuso, em razão da conduta de funcionário designado para ocupar o posto de gerente, sendo seu superior imediato, atuando de forma a constrangê-la, tanto fisicamente, forçando contatos indesejados, quanto socialmente, requerendo de forma pouco respeitosa a regularização de pendências junto à Sociedade de Proteção ao Crédito, SPC. Suas alegações restaram amplamente respaldadas na prova oral. Disse a testemunha Luciana Fernandes, fls. 479/480: “… quando a depoente tinha que comparecer à sala de Tarcísio, este vinha lhe beijar e agarrar, embora a depoente se sentisse mal com tal situação; que a depoente comentava esta situação com sua encarregada de setor, que lhe orientava a não comentar tal situação, pois não ia adiantar uma vez que era freqüente; …” (grifamos). A seguir, perguntas do procurador da autora à testemunha, com a respectiva resposta: “se chegou a ver Tarcísio abraçar ou beijar alguma empregada ou a própria autora? “ R: Sim, inclusive a autora. “se existia pressão da reclamada para que os empregados regularizassem suas situações?” “de que forma era feita a pressão? “ R: na frente de todos os empregados e aos gritos; quem fazia a manifestação era Tarcísio . Perguntas do procurador dos reclamados à testemunha, com a respectiva resposta: “se havia outros empregados atrás do armário no qual se localizava Tarcísio” R: geralmente quando Tarcísio atacava não havia outros empregados por perto, pois ele não era bobo. “se assistiu Tarcísio atacando alguém” R: sim . (grifamos). É corroborada por Nara de Fátima Lima Fortuna, fls. 480-481. Respondendo perguntas do procurador da autora: “Se houve alguma situação embaraçosa entre a depoente e Tarcísio?” R: sim, ele era um velho muito tarado e vivia beijando e assediando as pessoas e dando empurrões principalmente nas mulheres que não tinham esposo . Que Tarcísio deu vários empurrões na depoente. “Se presenciou alguma vez beliscando as nádegas de alguma empregada ou tendo alguma atitude indesejada com a autora?” R: sim, isto era comum. “Se as empregadas reclamavam para a chefe do setor as atitudes de Tarcísio?” R: sim, mas como ele era gerente geral, a maioria das pessoas tinha medo e se sujeitava, tendo em vista a dificuldade de arrumar emprego . “Se em alguma situação Tarcísio tentou fazer algo á força com a depoente” R: sim, estava sempre tentando. (grifamos). Não é diverso o depoimento de Cristiane Neves, fls. 481/482: “Se tem conhecimento de Tarcísio ter faltado com o respeito com alguma empregada ou ter assediado?” R: sim. “Se a depoente chegou a presenciar tais fatos? ” R: sim, várias vezes. “Inclusive com a autora? ” R: sim. “Se a empresa possuía uma lista dos empregados que estavam no SPC e se esta lista era mostrada par os demais empregados?“ R: sim e era mostrada para todos. “Se havia pressão para que os empregados saíssem do SPC?“ R: sim “Quem fazia pressão?” R: o gerente da empresa. “Se o gerente da empresa era Tarcísio Bandeira?” R: sim. (grifamos).
Outrossim, também respaldam a tese da reclamante os termos do depoimento da coordenadora, a quem se subordinava o gerente, Maria Zemira Bernardes, testemunha convidada pelos reclamados, fls. 482/483: “que conheceu Tarcísio; que não sabe de incidente que envolvesse Tarcísio e os demais empregados; …. que após a saída de Tarcísio os empregados da reclamada começaram a comentar que ele assediava e beijava as empregadas, normalmente os comentários eram oriundos dos empregados que saíam da empresa; …. se tivesse ouvido tais comentários durante o período em que Tarcísio trabalhava na empresa, não acreditaria; se a depoente visse os fatos imputados a Tarcísio, apenas acreditaria, mas não tomaria qualquer atitude, pois acredita que a atitude compete à pessoa assediada; se uma das empregadas assediadas viesse pedir ajuda à depoente, esta não sabe o que faria, não havendo qualquer orientação da empresa nesse sentido; …. se a depoente tivesse ciência de que as pessoas assediadas não estavam “dando entrada” a Tarcísio, a depoente comunicaria à diretoria;” (grifamos) Perguntas do procurador da reclamante: “Se viu Tarcísio beijar as empregadas?” R: sim, ele as beijava na cabeça, carinhosamente. “Se a depoente possui relação de amizade com Tarcísio?” R: não. “Se almoçavam juntos?” R: de vez em quando sim, juntamente com mais pessoas.” (grifamos).
Como visto, a superiora imediata de Tarcísio Bandeira não tomaria qualquer atitude, mesmo na hipótese de ser procurada por suas subordinadas queixosas, porquanto, como afirmou, essa atitude cabe à assediada. Paradoxalmente, a testemunha Luciana Fernandes, primeiro depoimento retro transcrito, conta ter sido desencorajada de tomar qualquer atitude pela sua encarregada de setor, muito provavelmente também subordinada à Maria Zemira Bernardes. Logo, se a empregada assediada deve tomar atitudes por si só, e não deve contar com respaldo algum da empresa, essa atitude somente pode se configurar como demissão. A perversidade é a tônica das relações contaminadas pelo assédio moral, e a presente situação se evidencia como tal. Há total aviltamento, no caso, na relação de trabalho, valendo-se o superior hierárquico dessa sua condição na empresa para suplantar, de forma perversa, a personalidade do outro e os direitos que lhe são inerentes. Nesse aspecto, os termos da brilhante exposição da MMª Juíza do Trabalho da 5ª Região, Bahia, Marcia Novaes Guedes, in Mobbing – Violência Psicológica no Trabalho, Revista LTr, Vol. 67, nº 02, Editora LTr, São Paulo, SP, 2003, pp. 162/165:
“Mobbing, assédio moral ou terror psicológico no trabalho são sinônimos destinados a definir a violência pessoal, moral e psicológica, vertical, horizontal ou ascendente no ambiente de trabalho. O termo mobbing foi empregado pela primeira vez pelo etiologista Heinz Lorenz, ao definir o comportamento de certos animais que, circundando ameaçadoramente outro membro do grupo, provocam sua fuga por medo de um ataque.
(…)
No mundo do trabalho, o assédio moral ou mobbing pode ser de natureza vertical – a violência parte do chefe ou superior hierárquico; horizontal – a violência é praticada por um ou vários colegas de mesmo nível hierárquico; ou ascendente – a violência é praticada pelo grupo de empregados ou funcionários contra um chefe, gerente ou supervisor hierárquico.
O terror psicológico no trabalho tem origens psicológicas e sociais que ainda hoje não foram suficientemente estudadas. Sabe-se, todavia, que, na raiz dessa violência no trabalho, existe um conflito mal resolvido ou a incapacidade da direção da empresa de administrar o conflito e gerir adequadamente o poder disciplinar. Por isso mesmo não se pode mitigar a responsabilidade dos dirigentes das organizações no exercício do poder diretivo. Tanto a administração rigidamente hierarquizada, dominada pelo medo e pelo silêncio, quanto a administração frouxa, onde reina a total insensibilidade para com os valores éticos, permitem o desenvolvimento de comportamentos psicologicamente doentes, que dão azo à emulação e à criação de bodes expiatórios.
(…)
A violência psicológica segue uma dinâmica identificada na qual o sujeito perverso emprega várias modalidades de agressões contra a pessoa.
(…)
Como sabiamente já deduziu o leitor, a vítima do assédio moral ou terror psicológico é violentada no conjunto de direitos que compõem a personalidade. São os direitos fundamentais, apreciados sob o ângulo das relações entre os particulares, aviltados, achincalhados, desrespeitados no nível mais profundo. O mais terrível é que essa violência se desenrola sorrateiramente, silenciosamente – a vítima é uma caixa de ressonância das piores agressões e, por não acreditar que tudo aquilo é contra ela, por não saber como reagir diante de tamanha violência, por não encontrar apoio junto aos colegas nem na direção da empresa, por medo de perder o emprego e, finalmente, porque se considera culpada de toda a situação, dificilmente consegue escapar das garras do perverso com equilíbrio emocional e psíquico para enfrentar a situação e se defender do terrorismo ao qual foi condenada. O dano pessoal, conforme a redefinição do dano moral – tese brilhantemente construída por Paulo Eduardo Vieira de Oliveira – é a conseqüência jurídica imediata que deflui da análise do fenômeno sob o ponto de vista da defesa dos direitos e interesses da pessoa humana.
(…)
O assédio moral é uma violência multilateral, tanto pode ser vertical, horizontal ou ascendente (a violência que parte dos subordinados contra um chefe), é continuada e visa excluir a vítima do mundo do trabalho, seja forçando-a a demitir-se, a aposentar-se precocemente, como também a licenciar-se para tratamento de saúde. O efeito dessa espécie de violência na vítima é devastador.
(…)
No mobbing, o agressor pode utilizar-se de gestos obscenos, palavras de baixo calão para agredir a vítima, detratando sua auto-estima e identidade sexual; mas diferentemente do assédio sexual, cujo objetivo é dominar sexualmente a vítima, o assédio moral é uma ação estrategicamente desenvolvida para destruir psicologicamente a vítima e com isso afastá-la do mundo do trabalho. A violência é sutil, recheada de artimanhas voltadas para confundir a vítima. Conforme dissemos, os métodos empregados pelo perverso assemelham-se largamente com aqueles utilizados pelos fascistas para submeter as vítimas e conduzi-las ao cadafalso sem um protesto. Heinz Leymann definiu o mobbing como a pior espécie de estresse social e designou-o de psicoterror.
(…)
Mobbing não é uma ação singular, também não é um conflito generalizado. O terror psicológico é uma estratégia, uma ação sistemática, estruturada, repetida e duradoura.
Em 1993, Heinz Leymann – considerado hoje o pai do mobbing – definiu o fenômeno como um conflito cuja ação visa à manipulação da pessoa no sentido não amigável; essa ação pode ser analisada em três grupos de comportamentos: um grupo de ações se desenvolve sobre a comunicação com a pessoa atacada, tendendo a levar a pessoa ao absurdo ou à interrupção da comunicação. Com ele ou ela se grita, se reprova, se critica continuamente o trabalho a sua vida privada, se faz terrorismo no telefone, não lhe é dirigida mais a palavra, se rejeita o contato, se faz de conta que a pessoa não existe, se murmura em sua presença, etc.
Outro grupo e comportamento se assenta sobre a reputação da pessoa. As táticas utilizadas vão das piadinhas mentiras, ofensas, ridicularização de um defeito físico, derrissão pública, por exemplo, de suas opiniões ou idéias, humilhação geral.
Enfim, as ações do terceiro grupo tendem a manipular a dignidade profissional da pessoa, por exemplo, como que para puni-la, não lhe é dado trabalho ou lhe dão trabalho sem sentido, ou humilhante, ou muito perigoso, ou, ainda, são estabelecidas metas de alcance duvidoso, levando a vítima a culpar-se e acreditar-se incapaz para o trabalho.” (grifamos)
Refere-se, ainda, o depoimento da testemunha Alexandre Peres de Oliveira, também convidada pelos reclamados, fl. 483, cujos termos demonstram tanto a gravidade e perversidade da situação quanto a insensibilidade daqueles já por demais expostos a ela: “que trabalhou junto com Tarcísio; que não viu Tarcísio agarrando as empregadas; que ouviu comentários que Tarcísio beijava a testa das meninas; os comentários não incluíam manifestação acerca do desejo ou não das empregadas serem beijadas; que Tarcísio nunca beijou a testa do depoente; acredita que nunca foi beijado por não ser mulher;….” .
Dessume-se do depoimento da testemunha Alexandre de Oliveira, convidada pelos reclamados que, para trabalhar para a empresa Losango a pessoa deve se submeter a muito mais do que a subordinação tratada no art. 3º da CLT. Tal situação não é normal e não é admissível e tampouco se coaduna com as exigências passíveis de serem feitas de empregador a empregado no âmbito do contrato de trabalho.
Nesses termos, não merece provimento o recurso dos reclamados.
2. Quantificação
Sucessivamente, os reclamados requerem a mitigação do valor da condenação.
A autora, a seu turno, requer seja majorada a condenação imposta, por não ter atingido patamar suficiente para atingir o caráter punitivo e pedagógico que se espera da medida.
O Juízo de origem fixou a indenização em R$ 5.000,00. Tendo em vista a remuneração outrora auferida pela autora, pode até se afigurar valor passível de apreciação.
Todavia, restaram totalmente esvaziados o caráter punitivo e o caráter pedagógico. A empresa Losango, integrante de grupo econômico capitaneado pelo Lloyds TSB Bank PLC, cujo capital social remonta ao banco em mais de 80%, efetivamente detém ativo realizável para fazer frente a indenizações muito mais vultosas sem comprometer em nada sua estrutura, seu patrimônio ou até mesmo a gestão de seus negócios. Assim, impende fixar a indenização num critério de razoabilidade e proporcionalidade, atendendo tanto o caráter punitivo e pedagógico como a satisfação da reclamante em ver indenizada, por não ser possível de resolver de outra forma, a angústia e sofrimento experimentados na relação empregatícia então mantida. Não que a dor seja quantificável – discussão antiga em se tratando de dano moral -, porém, tendo em vista a impossibilidade do retorno ao status quo ante, somente o pagamento de indenização é capaz de estender à parte lesada uma espécie de pequena compensação.
Tomamos como critério os parâmetros de valor jurisprudencialmente consagrados na seara das lesões aos direitos de personalidade. Nesse sentido, o seguinte aresto, oriundo do E. STJ, pretório que não apenas examina com mais freqüência a matéria, mas também é a última instância para discussão de valores de indenizações a tal título e, justamente por isso, norteia os valores a serem pagos em matéria de dano moral:
“De qualquer forma, se o caso é de reexaminar a fixação do valor, estou em manter a proposta do eminente Ministro Relator. Trata-se de um engenheiro, que dirigia a obra, objeto da contratação, impedido de exercer ato da sua profissão no cumprimento do contrato. Não se tratava de um simples técnico, mas de um administrador. Em razão disso, penso eu, deve ser especialmente ponderada a condição pessoal de quem sofreu o dano e, também, a causa que determinou a proibição, isto é, indevida e abusiva represália contra quem ousou deduzir em juízo a reclamatória trabalhista. Diante disso, e das condições pessoais do lesado, não vejo nenhum absurdo em que se atribua R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de indenização por ter sido o autor impedido não só de exercer a sua profissão, mas também de cumprir o contrato de terceirização.” (REsp Nº 309.725 – MA (2001/0029313-1), Excerto do voto do Exmo. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, STJ, DJU 19.12.2002)
“No mais, é da jurisprudência deste Tribunal que o arbitramento do valor indenizatório por dano moral pode ser analisado em sede de recurso especial, desde que o quantum se mostre manifestamente exagerado, ou irrisório, distanciando-se das finalidades da lei.
A indenização por dano moral, como tenho assinalado por diversas oportunidades, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes e, ainda, às suas atividades profissionais. Há de orientar-se o órgão julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.
A par destas considerações, e também em face dos pontos colocados em sentença (o ato praticado não teve reflexo direto de natureza econômica ou financeira, o fato ofensivo não teve ampla repercussão, além de que o autor foi demitido amigavelmente por sua empregadora), tenho que a quantia fixada pelo acórdão impugnado se mostra exagerada, notadamente em face dos precedentes deste Tribunal em casos mais graves. Assim, cuidando-se apenas de dano moral, tenho que fica bem para a espécie o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a ser corrigido a partir deste julgamento.”(REsp Nº 309.725 – MA (2001/0029313-1), Excerto do voto do Exmo. Ministro Relator, Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, STJ, DJU 19.12.2002)
Examinam-se, portanto, as peculiaridades do caso. A reclamante era subordinada ao gerente, e este lhe fazia carinhos não solicitados e tampouco bem vindos, tanto que ajuizou a presente ação. Além do constrangimento de ter seu corpo manipulado por terceiro, no ambiente comum de trabalho e sem seu consentimento, era submetida a cobranças relativas à suas finanças pessoais, fato também reservado à sua esfera íntima. A atitude do gerente para com a reclamante, na condição de sua subordinada direta e empregada da empresa Losango, era de evidente assédio moral, concorrendo ainda a agravante de que a reclamante necessita do emprego para sua subsistência. De outra banda, a empresa Losango, com mais de 80% de seu capital social atribuído ao segundo reclamado é, a bem dizer, uma longa manus do Lloyds Bank, atuando na área de empréstimos pessoais e afins. Conta, portanto, com patrimônio mais do que razoável para fazer frente ao patamar de indenização fixado pelo E. STJ, em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
Cabe referir o caráter punitivo e o caráter pedagógico da indenização arbitrada, razoável ao se considerar tratar-se de empresa da área financeira, integrante de grupo econômico liderado por banco como o segundo reclamado.
Dá-se provimento ao recurso da reclamante, no tópico, para elevar o valor da indenização por danos morais a R$ 50.000,00.
Nega-se provimento ao recurso dos reclamados.
(…)
1. Competência da Justiça do Trabalho.
Os reclamados renovam preliminar de incompetência deste Juízo para processar e julgar reclamatória onde a reclamante postula indenização por dano moral, pois não versa sobre relação de emprego. Requerem a extinção do feito sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, IV, do Código de Processo Civil.
Sem razão.
A Constituição da República estendeu, na forma do art. 114, a competência desta Justiça Especializada para a solução de outras controvérsias, não importando a norma legal a ser aplicada, mas sim derivante da relação de emprego. Desta sorte, cabe a este órgão judicial a apreciação do dano moral alegado pela demandante na inicial, pois a mesma noticia como sendo responsáveis os reclamados, na condição de empregador e de responsável subsidiário, pela prática do ato ilícito declinado na exordial. A discussão, à vista disso, contida nos autos decorre do liame empregatício entre os litigantes. Ademais, não existe qualquer óbice afastando das “outras controvérsias”, mencionadas na referida norma constitucional, a questão do ressarcimento pretendido pela reclamante. Outrossim, o art. 652, IV, da CLT, concede à primeira instância poder para processar e julgar os demais dissídios concernentes ao contrato individual de trabalho, entre os quais se enquadra a reparação dos direitos de personalidade do obreiro ante a prática de ato ilícito cometido pelo empregador.
Mantém-se a rejeição.
2. Responsabilidade Subsidiária.
Sustentam os reclamados ser indevida a condenação subsidiária do segundo reclamado. Alegam não ter restado demonstrado o fato de estar uma das empresas sujeita a controle ou direção da outra, restando inatendido um dos requisitos postos no § 2º do art. 2º da CLT, e tampouco o fato de não ter a primeira reclamada, Losango, idoneidade financeira suficiente para fazer frente a eventual condenação. Acenam com o fato de ter sido a primeira reclamada quem contratou a autora, assalariando-a e promovendo a rescisão contratual, restando totalmente injustificada a condenação, neste particular.
O Juízo de origem concluiu pela existência de grupo econômico, nos moldes do § 2º do art. 2º da CLT, fundamentando pertencer a empresa Losango a grupo encabeçado por Lloyds TSB Bank PLC, especialmente tendo em vista a documentação juntada aos autos às fls. 24/30.
Correta a sentença.
Às fls. 24/30, consta a 51ª alteração de contrato social da empresa Losango. Consta na cláusula terceira, fl. 26, deter o Banco Lloyds TSB S/A 140.449 cotas-parte, de um total de 167.635, totalizando aproximadamente 83,78% do capital social da empresa Losango. É, portanto, o acionista majoritário, detendo poderes de mando quanto aos rumos da primeira reclamada e consistindo o gestor do grupo econômico. Nota-se, ainda, ter sido informado o cadastramento na RAIS do PIS da autora mediante documentação encaminhada toda pelo segundo reclamado, Lloyds Bank, e não pela primeira reclamada, Losango, como dá conta a petição da fl. 428.
Inócuo o fato de ter sido contratada, assalariada e despedida a reclamante pela primeira reclamada, porquanto não se está a cogitar de fraude à legislação trabalhista ou de vinculação empregatícia direta ao banco, e sim de mera responsabilidade subsidiária, cujos efeitos são puramente econômicos.
Mantém-se.
(…)
Ante o exposto,
ACORDAM os Juízes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, preliminarmente, por unanimidade de votos, rejeitar a argüição de negativa de prestação jurisdicional. No mérito, por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso dos reclamados, para limitar a condenação ao pagamento de diferença de multa de 40% sobre os depósitos do FGTS aos valores apurados pelo contador, à fl. 447, item 1.4; para absolvê-la da condenação ao pagamento de devolução de descontos relativos aos tíquetes. Por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso da reclamante, para elevar o valor da indenização por danos morais a R$ 50.000,00; para condenar os reclamados ao pagamento de horas extras excedentes à oitava diária, a contar de 1º de novembro de 1995, acrescidas do adicional e dos reflexos deferidos no primeiro grau, sem prejuízo das condenações já impostas a este título. Valor arbitrado à condenação, em R$ 5.000,00 ora majorado para R$ 50.000,00. Custas provisórias ora aumentadas para R$ 1.000,00.
Intimem-se.
Porto Alegre, quarta-feira, 21 de maio de 2003.
Beatriz Zoratto Sanvicente – Juíza-Relatora no exercício da Presidência