Amor é um fogo que arde sem se ver

Amor é um fogo que arde sem se ver

“Amor é um fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

 

Luís Vaz de Camões

Digo Sim

Digo sim

“Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que meu coração
é um sol de esperanças entre pulmões
e nuvens

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no Carnaval
da Avenida.

Mas não. O poeta mente.
A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio à fome
e dizendo sim

– em meio à violência e a solidão dizendo
sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo meu filho perdido
neste vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que virá enfim,
não digo que a vida é bela

Tampouco me nego a ela:
– digo sim”.

 

Ferreira Gullar

Caçador de mim

Caçador de mim

Por tanto amor
por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
manso ou feroz
eu… caçador de mim
Preso a canções
entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
longe do meu lugar
eu… caçador de mim

Nada a temer
senão o correr da luta
Nada a fazer
senão esquecer o medo
Abrir o peito à força
numa procura
Fugir às armadilhas
da mata escura
Longe se vai
sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
o que me faz sentir
eu… caçador de mim

 

Milton Nascimento

Meu nome é Luciene

Meu nome é Luciene

Meu nome é Luciene, moro em Minas Gerais.
Não me importo quanto a divulgação de meu nome,
ele é muito bonito foi minha mãe que escolheu.

Nascer chorando, todos nascem.
Viver chorando, todos vivem.
Mas a minha dor é só minha
E carregarei para o resto de minha vida.
Às vezes me pergunto por que não muda.

Sou negra, mãe solteira e agora acougueira.
Tenho domínio esta área, serviço que é de homens,
Poderia ser o meu orgulho, mas é minha insatisfação.
Só tenho ele para sustentar meus filhos.
Queria realizar minhas paixões: Lecionar e escrever.

Quando comecei, era caixa.
Quis aprender o oficio, fui explorada.
Me ensinaram tudo o que precisava saber sobre açougue.
Me bateram com palavras odiosas do qual não tenho coragem de dizer.
Pensei em meus filhos, por isso fiquei e aprendi me defender.

Um ano de sofrimento, o favor virou obrigação.
Por fim me deram um cargo de confiança
Já era gerente de um do açougue.
Não posso confirmar esta promoção, pois na carteira continuava caixa.
O real… Ah! o real….
Eu era açougueira, caixa, balconista, gerente e faxineira.
Uma enorme sobrecarga.
Patrão xingando, poucas vendas.

A minha luta começou aí.
Correr atrás dos clientes, não deixar a carne perder, ser higiênica, não deixar dinheiro faltar, não deixar venda cair, aumentar o lucro.
Só tinha hora de pegar, sem hora de largar.
Maldito horário de verão que veio só para aumentar minha jornada de trabalho.
Não pode ir embora sem antes vim a lua, as estrelas, o céu negro.

Meu filho conhece mais a noite do que o dia.
As vezes que me esperou,
As vezes dormiu sem esperar,
As vezes em minha angustia e desespero,
Eu o repreendi.
Diante das poucas vezes que pude vê-los,
Eu fui má.

Noites negras, escuras, prisão.
Quantas vezes não dormi tentado achar solução,
Para o comercio de meu patrão.
Que até então descansava em sua mansão.
A dengue que perfurava meu corpo e minhas vistas,
Me aquecia e esfriava ao mesmo tempo.
Nem assim tive perdão.

– Folga! Só na sexta-feira da paixão.- Assim disse o meu patrão.
O meu sangue ferveu de raiva, enfrentei meu patrão, cuidei de mim.
No outro dia percebi que eles precisavam de mim.
Aí fui feliz.
Até que um dia uma discussão tola me fez pensar.
E o patrão dizer:
– Se você não trabalhar aqui onde irá?
Fui subestimada.
– Se você não trabalhar aqui onde irá?
Fui humilhada, dependo deles para viver.

De baixos dos panos arrumei outro emprego de acougueira.
Desta vez num hipermercado do qual trabalho até o momento
Finalmente pude ter mais tempo para meus anjinhos.
As preocupações com o comercio acabaram.
Tudo o que tenho que fazer é cumprir meu horário e fazer o serviço direito.

Mas, nem tudo são flores.
Trabalho só com homens sendo eu a única mulher acougueira.
Tenho a satisfação de alguns clientes e colegas.
Alguns são grosseiros.
– Desde que as mulheres vieram trabalhar aqui isto virou um puteiro.
“Um puteiro”, foi o que disseram.

Isso quando não precisam de dizer que
Fico nervosa por falta de homens.
Quando também outra mulher diz que
Quem é dona de casa precisa de tempo maior para cuidar.
Só por que não tenho marido significa que não preciso de tempo maior?

As vezes queria nascer de novo e ter uma chance na sociedade.
Mas ela rejeita tanto, que acho que meu espírito não deva atrever voltar.
Hoje tenho dores no braço direito, sei que é ler, mas prefiro dizer que não é.
Sou muito nova para adoecer e pobre demais para me dar o luxo de sentir dor.
Sou extremamente nervosa, sem paciência, vivo no futuro e esqueço o presente.

Me sinto doente, para escrever isso me custou muitas lágrimas e dores no braço. Para mim vale a pena, pois tenho um sonho de poder escrever, ficou mais distante com essa dor, mas sei que alguém ira ler, esta é uma satisfação que ninguém paga. Só queria que muitos pudessem ler, lutar e escrever suas histórias.

 

Fresta

Fresta

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,

Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado

Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

 

Fernando Pessoa

Amigo Aprendiz

Amigo Aprendiz

“Quero ser teu amigo
Nem demais e nem de menos
Nem tão longe e nem tão perto
Na medida mais precisa que eu puder
Mas amar-te como próximo, sem medida,
E ficar sempre em tua vida
Da maneira mais discreta que eu souber

Sem tirar-te a liberdade
Sem jamais te sufocar
Sem forçar a tua vontade
Sem falar quando for a hora de calar
E sem calar quando for a hora de falar

Nem ausente nem presente por demais,
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo,
Mas confesso,
É tão difícil aprender,
Por isso, eu te peço paciência
Vou encher este teu rosto
De alegrias, lembranças !
Dê-me tempo
De acertar nossas distâncias !!! “

 

Fernando Pessoa

O Tempo Cura

O TEMPO CURA

O tempo a tudo cura.
Essa frase tão ouvida,
Quando algo nos machuca,

Fica tão perdida,
Fica tão vazia.

Nem sempre o tempo cura,
A ferida profunda,
Nem faz apagar,
A lembrança tão viva.

Mas o tempo muito ajuda,
Quanto mais ele se vai,
Menos dói a ferida…
Menos dói a saudade.

É dar tempo ao tempo,
É saber com paciência esperar,
E firme acreditar que ele possa…
De tudo nos curar.

 

Cleide Yamamoto

Poeminho do contra

Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão

Atravancando o meu caminho,

Eles passarão…

Eu passarinho!

 

Mário Quintana

Mas Há a Vida

Mas Há a Vida

“Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.

Que tem que ser vivido
até a ultima gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.”

 

Clarice Lispector

190

190

o sentido da vida
é que a gente sente

por um filho
que é a cara da gente

por um trabalho
que ocupa a mente

por um amor
que nos deixa doente

pena que isso não baste
por mais que se tente

 

Marta Medeiros