Quarta-feira, 17 de julho de 2024

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Prática cresce em momentos de crise

Prática cresce em momentos de crise

O portal www. assediomoral.org, que reúne profissionais na área da saúde com o objetivo de identificar e coibir a prática de assédio moral no Brasil, teve um crescimento significativo no número de acessos nos últimos meses. Em função da crise econômica mundial, aumentam os relatos e, com isso, houve um crescimento de 20% na procura por informações. De acordo com Cármen Sílvia Silveira de Quadros, especialista em Medicina do Trabalho, isso acontece porque a concorrência é maior e as ameaças são constantes.

Jornal do Comércio – Em momentos de crise, a incidência do assédio é maior? Por quê?

Cármen Quadros – Sim, porque a crise vem sempre acompanhada por reestruturações que as empresas fazem. A pressão aumenta, as exigências são maiores e as ameaças constantes. Cria-se um verdadeiro clima de medo, terror e sujeição coletiva. O fato de o número de acessos aumentar tem relação a esse sentimento de desamparo, de necessidade de informações. As pessoas têm receios de serem estigmatizadas, de não encontrar um novo emprego. Quando entram em contato conosco querem ajuda, pedem socorro.

JC – O trabalhador submetido ao assédio moral pode desenvolver doenças?

Cármen – O assédio moral é um risco à saúde do trabalhador que pode trazer inúmeras consequências, inclusive o adoecimento físico e mental. Trabalhadores que sofrem assédio moral sofrem de distúrbios digestivos, taquicardia, palpitações, sintomas depressivos (insônia, crises de choro, lapsos de memória, sentimento de desvalia), hipertensão arterial sistêmica. O assédio tem ligação direta com as mudanças que o processo de globalização econômica impôs ao mundo do trabalho: a flexibilização das relações trabalhistas, a precarização dos vínculos e a reestruturação das empresas que acabam reduzindo os postos de trabalho, sobrecarregando os trabalhadores e aumentando a concorrência entre eles.

JC – Há setores em que a prática do assédio seja mais comum?

Cármen – Em primeiro lugar, no Brasil, aparece o setor da saúde, seguido da educação, comunicação e serviços; em especial bancários. Saliento que em todos os ramos produtivos, categorias e empresas, quer pública ou privada, filantrópicas ou ONGs, existe a prática de assédio moral. Há uma pesquisa nacional que contempla todos os estados, com dados e data de 2005, que aponta sinais objetivos do crescimento do assédio moral no País.

JC – Qual é o impacto psicológico para a vítima?

Cármen – Os danos psíquicos surgem como angústia e ansiedade. O trabalhador pode manter e aprofundar pensamentos tristes e repetitivos, apesar do esforço para se curar. A pessoa se avalia negativamente e culpa-se pelo que está sofrendo. Aparecem sinais de alarme do organismo: alterações de comportamento, distúrbios digestivos, dores de cabeça, sensações de dores que migram. Pode chegar à depressão e à síndrome do pânico. Esse processo de instauração da doença varia de indivíduo para indivíduo. Existem casos relatados que o dano psíquico causado pelo assédio moral leva o trabalhador a um quadro de depressão grave com risco de suicídio.

JC – A empresa perde força de trabalho com esse tipo de prática?

Cármen – Perde a força de trabalho e, consequentemente, reduz a produtividade em função dos agravos à saúde física e mental dos trabalhadores. Como ficam doentes, necessitam muitas vezes se afastar para tratamento. Cabe salientar também que atitudes de humilhação e terror psicológico interferem negativamente no ambiente de trabalho, causando desestabilização e desmotivação.
Pode acabar resultando em altos custos para a empresa também pelas perdas econômicas em processos produtivos e da imagem pública. Mas o maior prejudicado é o trabalhador. Há casos em que ele começa a apresentar atitudes irresponsáveis enquanto pai, esposo, irmão, de afastamento e perda de amigos, de aumento de consumo de drogas, de separações e até de suicídio.

JC – Quem não é vítima direta do assédio, mas presencia esse tipo de ato com o colega pode sofrer reflexos?

Cármen – Esta é uma situação que, infelizmente, ainda ocorre e que não ajuda a empresa a se livrar desse tipo de prática. O trabalhador que se cala ante as injustiças e a empresa que se nega a discutir os fatos e a pensar políticas de combate à violência, não estão tomando a melhor conduta. Entretanto, é necessário que a empresa compreenda que ela perde quando o ambiente de trabalho está degradado, quando o clima organizacional.

JC – Quando o trabalhador se sente vítima de assédio, qual procedimento deve adotar?

Cármen – Do começo ao fim desse processo, o trabalhador não deve se isolar, e sim conversar com colegas, amigos, família e, se for acaso, procurar apoio psicológico. Ao ser alvo do primeiro ato de agressão, deve ficar mais atento. Se isso se repetir, precisa conversar com o chefe ou quem quer que seja o autor da agressão, de preferência acompanhada de um colega. Diga que o ocorrido o ofendeu e que deseja uma explicação.

Se isso não resolver, comece a recolher provas. Anote tudo sobre cada ocorrência, incluindo dia e hora que aconteceu, o que foi dito e quem presenciou. Faça uma carta em duas vias relatando o que tem ocorrido e encaminhe para a ouvidoria, o RH ou o superior do assediador. Entregue uma via e peça para que a outra seja assinada, comprovando o recebimento.

Se não der em nada, denuncie no sindicato de sua categoria ou na Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego (a antiga Delegacia Regional do Trabalho), que possui uma comissão de combate à discriminação no ambiente profissional. Uma mesa de reconciliação será convocada, com sua presença, a de um representante do sindicato e outro da empresa. A ideia aqui é negociar uma solução para que você permaneça no emprego, mas o assédio cesse. Se não houve acordo, resta recorrer à Justiça.

O uso deste material é livre, contanto que seja respeitado o texto original e citada a fonte: www.assediomoral.org