A mão-de-obra mais barata do mercado: a da mulher negra

Texto de Alfredo Boneff

Entre a eloqüência da legislação de combate à discriminação racial e a realidade enfrentada por negros e negras no Brasil, parece haver um abismo intransponível. Quando se comemora o Dia da Mulher Negra da América Latina e Caribe, a fria letra da lei – para citar o jargão jurídico recorrente e dissociado da realidade – soa ainda mais distante do preconceito que incide especialmente sobre as mulheres trabalhadoras.

Não que salvaguardas como a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre discriminação em questões de trabalho e profissão, não sejam da maior importância. O que se questiona é sua plena aplicabilidade. É para isso que organizações como o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e a ONG Criola desenvolvem atividades. Muito além da palavra de ordem inócua, utilizam ou produzem dados sobre a desigualdade a fim de modificá-la. Dos levantamentos sobre assédio moral no trabalho, realizado pelo Ceert, à assessoria proporcionada por Criola a jovens artesãs, essas mulheres agem – cotidianamente e incansavelmente – para transpor abismos.

Defasagem

Números incluídos na publicação “Desigualdade Racial em Números – coletânea de indicadores das desigualdades raciais e de gênero no Brasil”, organizada pela coordenadora-geral de Criola, Jurema Werneck, apontam o perfil salarial médio de 36 empresas no ano 2000. Nos cargos de diretoria, o salário médio de homens brancos que ocupavam cargos de diretoria era de R$ 19.268. A remuneração média de homens negros chegou a R$ 16.677, enquanto a de mulheres brancas foi de R$ 11.617. Simplesmente não houve registro de mulheres negras e pardas em cargos de diretoria.

À exceção dos cargos gerenciais, nos quais as mulheres negras ganhavam, em média, R$ 6.457, e as brancas R$ 6.415, nas funções administrativas e de produção a remuneração das negras foi, invariavelmente, bem menor. Esses dados fazem parte dos Indicadores de Desempenho Social da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).

O Ceert vem trabalhando desde a sua fundação, em 1990, com empresas dos setores público e privado, além de centrais sindicais e prefeituras, em projetos de pesquisa e capacitação relacionados às áreas de raça e gênero no trabalho.

“Ser negro é um impedimento para assumir cargos de qualificação”, avalia Edna Muniz, assistente social e coordenadora de sáude do Ceert. Ela cita o “Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho no Brasil”, estudo feito pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), em 1999, a partir de dados do Dieese/Seade. O Ceert atuou como orientador nas questões de gênero e raça. Entre outros números, a pesquisa aponta que, no Distrito Federal, nada menos que 45% das mulheres negras trabalhavam em atividades consideradas vulneráveis.

Merendeiras

Um estudo desenvolvido pela pesquisadora e médica do trabalho, Margarida Barreto, em empresas químicas e farmacêuticas de São Paulo revela que a maior parte das vítimas de assédio moral nos locais de trabalho são mulheres negras.

Esse trabalho de referência tem desdobramentos numa pesquisa feita pelo Ceert, em 2001, com merendeiras negras de uma escola de São Paulo. Vítimas de assédio moral por parte do diretor da escola, as merendeiras solicitaram apoio da área jurídica do Ceert. Além das humilhações perpetradas às profissionais, em determinadas ocasiões chamadas de “pretas da senzala”, a distribuição de tarefas também demonstrava práticas preconceituosas. As merendeiras brancas faziam serviços considerados mais qualificados como ir a bancos ou delegacias de ensino. Às negras cabia, entre outros serviços, a lavagam do pátio e salas de aula.

O Ceert passou a acompanhá-las, num grupo denominado Consenso, integrado por Margarida Barreto, advogados(as) e psicólogas do Ceert. O episódio abjeto foi sendo então reconstruído, resultando no projeto Dano Psíquico. No grupo, as merendeiras colocavam problemas decorrentes do assédio moral, como a perda de vontade de trabalhar, taquicardia, problemas digestivos, insônia e até mesmo hipóteses de suicídio. “Políticas públicas têm que ser instituídas nas áreas de saúde e jurídica, porque não existe uma legislação que fale disso”, aponta Edna. Ela faz a ressalva de que existem algumas leis municipais que abordam o assédio moral. Atualmente, as merendeiras estão com um processo contra o diretor, solicitando indenização. Depois da mobilização de várias instituições, o diretor foi afastado do cargo.

Unibanco impede funcionária de exercer trabalho

A bancária Ediomara Ivete Fistarol teve reconhecida, por sentença da Justiça do Trabalho, direito ao recebimento de reparação por dano causado “por assédio moral” praticado por seu empregador, o Unibanco. Ela teve que se afastar (de maio de 1999 a agosto de 2002) do trabalho por ter contraído doença profissional decorrente de sua rotina de bancária. Ao receber alta do INSS, Ediomara não teve qualquer local designado para a prestação de suas atividades.

Ela foi, então, a Juízo, através do advogado Antonio Vicente Martins (do escritório Moraes, Martins, Porto e Saydelles), sustentando que “assédio moral é toda conduta (ativa ou omissiva) abusiva que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.

Sentenciando, o juiz Márcio Lima do Amaral, da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre reconheceu que “a relação de emprego abrange não só a obrigação de o empregador pagar o salário, mas também a de o indivíduo prestar trabalho”. O magistrado deplora que “o fato de o empregador não proporcionar à trabalhadora o exercício do direito de trabalhar, embora pagando os salários, significa dizer que ela não serve mais para a empresa sendo preferível tê-la em casa recebendo a remuneração do que em atividade”. A sentença determinou que o Unibanco disponibilize para Ediomara, imediatamente, uma vaga na agência Menino Deus (a que mais perto fica da residência dela), sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 em favor da reclamante.

A sentença também defere uma reparação financeira “pelo abalo sofrido durante o tempo em que a empregada permanece excluída de suas atividades laborais”. Desde 9 de agosto de 2002 (data em que o Unibanco deveria ter permitido que ela voltasse ao trabalho) até a data do efetivo reinício das atividades, o empregador pagará o dobro do salário mensal. O Unibanco poderá recorrer da decisão condenatória quanto ao valor da reparação pelo dano moral. Mas a decisão que determina que o banco permita que a empregada trabalhe é de eficácia imediata. O advogado Antonio Vicente Martins disse ao Espaço Vital que “o caso é um dos primeiros examinados pela Justiça do Trabalho no Estado e representa um avanço nas relações de trabalho e no respeito aos direitos humanos dos trabalhadores”.

(Proc. nº 01235.023/02-8)

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