Marie France Hirigoyen (pesquisadora francesa, psiquiatra, psicanalista) – Gostaria de dizer que estou muito emocionada de estar aqui e muito intimidada também, porque vocês são numerosos. Gostaria de agradece-los de me receber, agradecer o Sindicato dos Químicos e Plásticos e, agradecer também a Margarida com quem eu tive contatos e intercâmbios sobre o tema.
Acredito que é interessante que eu esteja aqui porque vou tentar transmitir minha experiência na França com relação ao assédio moral, já que como vocês sabem, porque foi comentado anteriormente, temos uma lei há pouco tempo. Esta lei foi votada em dezembro de 2001 e somente em janeiro de 2002 foi sancionada e passou a ser aplicada. Ao mesmo tempo temos uma experiência européia já que um certo número de países tem projetos de lei; falaram aqui de Portugal, mas temos também a Bélgica, a Espanha, a maioria dos países europeus estão planejando ter uma lei e espero que, em breve, tenhamos uma lei européia que abarcará o assédio moral, o assédio sexual e também a discriminação, já que trata-se de uma mesma ofensa aos direitos humanos, uma mesma ofensa à dignidade da pessoa humana. O que me parece interessante é analisar o assédio moral com relação às diferentes formas de sofrimento no trabalho, pois mesmo em países que possuem uma legislação para proteger os trabalhadores, temos observado cada vez mais sofrimento psicológico no local de trabalho. Quando comecei a trabalhar sobre o tema, o que se dizia é que não era grave, já que o assédio moral sempre existiu e que, se as pessoas se queixavam era, no fundo, porque não eram suficientemente forte ou suficientemente adaptadas ao mundo do trabalho atual.
O que pude constatar é que o mundo do trabalho está se tornando cada vez mais penoso, que se exige cada vez mais das pessoas, que se trabalha cada vez mais e em condições que são psicologicamente cada vez mais duras. Talvez, fisicamente o trabalho, hoje, seja mais leve, mas psicologicamente o trabalho é cada vez mais áspero e pesado. Ao trocar experiências com Margarida sobre este assunto, constatei que os procedimentos de assédio moral eram os mesmos no mundo todo, na França, no Brasil, mas também em outros países como o Quebec, outros países europeus e latino-americanos. Os procedimento adotados são exatamente os mesmos e o sofrimento descrito pelas vítimas é descrito exatamente da mesma forma.
Penso que é interessante analisar este fenômeno porque no fundo, constatamos que o sofrimento é o mesmo e as conseqüências sobre a saúde também, o que muda são as características das pessoas atingidas, podemos dizer que, provavelmente, em função do contexto sociocultural, há diferenças quanto à forma de vivenciar a situação e essa, favorece a instauração do assédio moral. Vou tentar retomar alguns aspectos.
“Há, efetivamente, procedimentos que são destruidores e que podem ser identificados, mas isto não é suficiente para dizer que se trata de assédio moral” |
A vítima é reduzida à condição de objeto que pode ser usado e depois descartado, e sua identidade é desprezada e aviltada. Trata-se, indubitavelmente, de procedimentos antiéticos que transgridem as normas e que são reconhecidos como totalmente inadmissíveis.
Quem está na origem do assédio?
O assédio provém na maioria das vezes do superior hierárquico, mas pode também, vir dos colegas e muitas vezes o assédio moral é mais difuso e provém, ao mesmo tempo, do superior hierárquico que, por sua vez, incita os colegas a proceder da mesma forma. O que é necessário saber é que se o assédio moral somente é possível quando a hierarquia ou a direção da empresa deixou isto acontecer e se omitiu. Se uma empresa é vigilante e severa com relação a essas práticas, o assédio moral não prospera, mesmo quando há um indivíduo particularmente perverso na empresa. Ele será sancionado e não poderá continuar a agir desta forma. Infelizmente, constatamos que cada vez mais, empresas e organizações são indiferentes ao bem-estar das pessoas. Isto não as interessa. Um ou outro trabalhador é “tudo a mesma coisa” e que isto não tem importância, ou então, porque as empresas utilizam a gestão perversa.
Gestão perversa
Na gestão perversa, os trabalhadores são tratados como meros objetos enquanto são necessários ou enquanto são muito produtivos. São utilizados ou mesmo sugados, extraindo tudo o que for possível deles, até esgotá-los. Quando não produzem o suficiente, a empresa procura encontrar um meio para livrar-se deles.
Características da Gestão perversa
A gestão perversa se caracteriza pela falta de comunicação, em que não são ditas as coisas de forma clara. Por exemplo, nas empresas na França ou na Europa, quando há uma reestruturação, não se diz que haverá demissões em massa, já que este tipo de demissão é muito controlado pelo poder público. Diz-se que ninguém será demitido, mas os trabalhadores são colocados numa situação tal, que lhes restam muitas vezes, duas alternativas: pedir demissão ou ficar doente. Trata-se, por exemplo, de colocar cada vez mais pressão até que as pessoas não agüentem e adoeçam.
Freqüentemente, as pessoas são colocadas em situação de rivalidade, como por exemplo: duas pessoas numa mesma função competindo uma com a outra até destruir-se mutuamente e depois, a empresa afirma que a pessoa não agüentou ou pediu demissão, e por isso a empresa não tem culpa. Afirmam: nós não fizemos nada; não despedimos ninguém.
A vitima entra num mecanismo auto destrutivo e isto, para mim, é um comportamento causado por um tipo de gestão perversa. O que é perverso é manipular as pessoas até que elas se desestruturem e se autodestruam. É não agir de forma direta e clara. Também há um tipo de procedimento que consiste em diminuir o número de cargos cada vez mais, não dizer as coisas e não proteger as pessoas. Este tipo de gestão perversa está se desenvolvendo cada vez mais não só nas empresas privadas como também, no setor público. Esse setor utiliza os mesmos métodos de gestão apesar de não visar o lucro, mas aí também, se exige cada vez mais, produtividade.
Homogeneizando pessoas.
Fiquei muito surpresa ao constatar, quando comecei a trabalhar sobre este assunto, que as pessoas, as mais atingidas pelo assédio moral eram precisamente as mais produtivas, diria até, produtivas demais, motivadas demais para o trabalho, interessadas demais pelo trabalho e consideradas como eficientes demais.
Então o que acontece? É um pouco como se no mundo do trabalho fosse necessário que todo mundo seja igual, que todo mundo produza de um jeito definido, que ninguém possa ser diferente dos outros, que todos tenham o mesmo perfil, que todos sejam de certa forma , como clones, como pessoas com a mesma formatação, com a mesma personalidade. Trabalhadores homogêneos. Uma empresa composta de pessoas clonadas.
A ‘manipulação’ dos afetos e sentimentos.
O que está muitas vezes na origem do assédio moral é a rivalidade e/ou o ciúme. No mundo do trabalho, nas empresas, os métodos de gestão colocam cada vez mais as pessoas em situação de rivalidade, como se fosse necessário separar as pessoas, colocá-las umas contra as outras e, o resultado disto, é que temos cada vez mais individualismo, cada vez menos trabalho coletivo, visão coletiva para se defender. O assédio moral é possível porque as pessoas estão sós. Quando há um grupo que se defende, que reage, o assédio moral pode ser parado, pode se evitar a destruição das pessoas. Cada vez mais as pessoas são isoladas e isso impede que elas reajam coletivamente.
O assédio moral e suas conseqüências à saúde.
As conseqüências do assédio moral são de vários tipos e são muito graves no que diz respeito à saúde. São depressões e, eventualmente suicídios, como acaba de mencionar Margarida. São também, distúrbios psicossomáticos muito importantes e muito graves. Pessoas cuja saúde é destruída por distúrbios cardíacos, endócrinos e digestivos. Estes distúrbios às vezes são irreversíveis. O que podemos constatar é que quanto mais o assédio moral é prolongado, mais graves são as conseqüências á saúde.
A importância da prevenção.
É fundamental antecipar para evitar este tipo de agressão e fazer um trabalho preventivo para que haja cada vez menos assédio moral. Vi pessoas que tinham resistido ao assédio moral e que, no final de uma luta, com apoio de advogados, acabaram por ser ouvidas e reconhecidas como vítimas de assédio moral, mas eu diria que foram ouvidas tarde demais, após dois anos de combate,por exemplo. Penso, num caso em que uma pessoa foi reconhecida como vítima de assédio moral e que foi indenizada mas, quando isto ocorreu, ela tinha perdido sua saúde, estava com problemas no casamento porque não tinha tido renda durante dois anos. Esta pessoa foi reintegrada no seu cargo depois de dois anos mas sofria de problemas cardíacos, problemas de diabete, de colesterol, de distúrbios que, infelizmente, estavam bastante avançados e esta pessoa não teve condições de retomar seu trabalho por motivo de saúde.
As conseqüências são muito graves a curto prazo mas, também, a longo prazo. Minha opinião é que este tipo de procedimento leva a desmotivação, porque quando somos humilhados no local de trabalho, quando somos desqualificados não temos mais vontade de trabalhar, não se tem mais vontade de dar o melhor de si mesmo. Acho uma lástima que se desperdice assim a boa vontade das pessoas que tem vontade de produzir, de ser eficientes, que gostam do seu trabalho, levando a se sentir desmotivadas com relação ao mundo do trabalho em geral.
“O assédio moral é um péssimo ‘negocio’ para as empresas”.
O assédio moral é um péssimo ‘negocio’ para as empresas, pois não é um método eficiente na medida em que causa perda de produtividade. Para que as pessoas trabalhem bem e produzam bastante elas precisam ter boas condições e ambiente de trabalho saudável. As pessoas precisam estar bem para produzir bem. Serem respeitadas como seres humanos. Estamos num sistema que perdeu sentido, num sistema louco. Desestruturam-se as pessoas deixando-as totalmente desmotivadas e depois se reclama que não são suficientemente eficientes, que não produzem de forma satisfatória. Isto não tem sentido! Seria necessário, pelo contrário, melhorar sempre as condições de trabalho, fazer com que as pessoas tenham vontade de trabalhar, reconhecendo e respeitando seus esforços, o que certamente, levaria a empresa a obter melhores resultados.
Um dos argumentos que utilizo, atualmente, para ser ouvida, que dei para os políticos na França e que agora dou para as empresas, para que sejam vigilantes e que façam uma política de prevenção do assédio moral, é que o assédio moral não é produtivo, é péssimo, e custa caro. Custa caro para as vítimas porque são obrigadas a se tratar, às vezes perdem seus empregos, são, às vezes, obrigadas a recorrer a um advogado para se defender, portanto, custa caro para as vítimas.
Isto também custa caro para a sociedade porque as pessoas ficam doentes e impedidas de trabalhar. Custa caro também para as empresas porque há efetivamente, o problema do absenteísmo associado a uma grande desmotivação e perda de produtividade.
Quanto dou argumentos financeiros aos dirigentes, aos donos de empresas, eles me ouvem, não ouvem sempre quando falo de respeito, das pessoas, de questão de ética, de dignidade, isto são palavras que mesmo sendo boas, eles não entendem. Mas quando falamos de números ou quando falamos: “cuidado, isto custa caro”, “cuidado, é ruim para a imagem de uma empresa se isto for a público”, se, por exemplo, se “comentar nos jornais que em tal empresa as pessoas sofrem e são maltratadas”, isto são argumentos que hoje são ouvidos e hoje, na França, também, temos esta lei e, quando o assédio moral se produz numa empresa os dirigentes da empresa ou da organização são sancionados, às vezes, muito duramente, mas, também, o agressor é sancionado.
A importância das leis como instrumento de prevenção
Falaram para vocês que os casos de assédio moral são punidos de um ano de cadeia e multa de quinze mil euros ou o que corresponde a quinze mil dólares. São sanções dissuasivas, e penso que as empresas estão começando a ter cuidado. Atualmente, na Europa, começa a se pensar que talvez seja melhor encontrar outra forma de tratar as pessoas, que não é a melhor forma de obter bons resultados. Penso que uma lei é muito importante, primeiro num plano simbólico, porque isto significa que um governo decidiu que este tipo de comportamento não era aceitável.
Portanto, é muito importante num plano simbólico como também no dissuasivo para desencorajar este tipo de comportamento. Aqui no Brasil, é a mesma coisa. Parece-me que em todos países devemos pensar numa forma de sanção contra o assédio moral pois ele deve ser identificado e sancionado. Uma lei é muito importante mas não é suficiente, penso que deve existir uma política de prevenção contra este tipo de comportamento. As leis da França, os projetos da Bélgica, da Espanha, de Portugal, prevêem a obrigatoriedade de planos preventivos.
As empresas que não dão condições para implantar uma política de prevenção poderão ser mais sancionadas do que aquelas que tentaram restringir o assédio moral ou proibi-lo e isto me parece muito importante.
Não basta punir o agressor, é necessário mudar as políticas de gestão da empresa e não deixar se instaurar procedimentos de humilhação e desqualificação das pessoas. Mais uma vez é algo que não tem sentido, maltratar as pessoas para que elas trabalhem mais, que produzam mais ou que sejam mais conformes.
Infelizmente, o objetivo do assédio moral é sempre, como já disse, uma forma de se livrar das pessoas. E como disse Margarida, no Brasil, mas também na França são as mesmas pessoas que são atingidas prioritariamente. Na França as estatísticas dão 70% de mulheres vítimas de assédio moral e 30% de homens. Os estudos que são feitos sobre a população em geral, pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, dão números que oscilam de 5 a 8% de pessoas vítimas de assédio moral, mas existem outras formas de sofrimento no trabalho, que vem se somar ao assédio, o que significa que há, portanto, muitos trabalhadores que sofrem nos seus locais de trabalho. Como já disse, dentro destes 8%, 70% são mulheres, é muito. Não temos números no que diz respeito à discriminação racial porque não temos estudos com relação a isto na Europa, onde a questão da discriminação é tratada em outras estatísticas, mas seria interessante ter dados sobre a questão racial branco/negro mas também, sobre o número de árabes, de descendentes do Oriente Médio e de franceses. São números que seriam interessantes conhecer mas, que no momento, não são suficientemente estudados.
O que temos na Europa, que talvez seja algo específico, é o efeito perverso da proteção social. Por exemplo: as pessoas de mais de cinqüenta anos são mais vítimas do assédio moral do que os jovens nas empresas. Por um lado, porque se dá preferência aos jovens que recebem salários mais baixos que os mais velhos. Por outro, na França temos um texto legal chamado “Contribution Delalande”, que obriga as empresas que demitem alguém com mais de cinqüenta anos, a pagar uma indenização ao Estado, portanto, para poder demitir alguém com mais de cinqüenta anos é necessário pagar uma taxa para o Estado e isto as empresas não gostam. Então, elas preferem praticar o assédio moral com as pessoas de mais de cinqüenta anos, para que elas percam todo o gosto pelo trabalho e, assim, se vêem obrigadas a pedir demissão. Caso este, em que a empresa fica isenta de pagar as indenizações legais.
Constatamos, que são vítimas também do assédio moral as pessoas que se expressam muito, que defendem seus colegas, que não aceitam as manipulações da empresa, por exemplo, os representantes sindicais são muito mais assediados do que as pessoas que são dóceis e aceitam tudo. Sempre que alguém dá visibilidade a um problema que está ocorrendo na empresa sabe-se que ele corre o risco de ser vítima de assédio moral.
De certa forma, o objetivo é calar as pessoas que estão denunciando situações na empresa, por exemplo, denunciando desigualdades ou irregularidades, por exemplo práticas de corrupção. No fundo, o assédio moral visa isolar as pessoas, fazê-las calar-se e torná-las totalmente dóceis, em todos os aspectos profissionais. Poderia ainda falar muito do assédio moral, não sei se preciso ser breve, mas queria, ainda precisar um outro aspecto do assédio moral agora na França.
O estado da arte – novas reflexões
Com a lei conhecemos um pouco mais os limites do que é e do que não é o assédio moral. É o que tentei explicar no meu segundo livro. No meu primeiro livro eu quis explicar o que impede as pessoas de reagir, como elas são destruídas sem que ninguém diga nada, sem que os colegas entendam o que realmente se passou; sem que os colegas reajam em favor da pessoa vítima de assédio moral. No primeiro livro eu descrevo o que chamei de comunicação perversa, como se faz calar as pessoas, como não é dito qual a origem do problema, como são isoladas, como são humilhadas e porque, quando somos tão humilhados, somos tão destruídos na nossa personalidade.
No meu segundo livro, que corresponde à época da preparação da lei na França, eu quis distinguir, de forma clara, o que é assédio moral e o que são as outras formas de sofrimento no trabalho. Porque, não se trata o assédio moral como se trata o estresse ou como se trata, por exemplo, os conflitos. Por isso tentei distingui-lo das outras formas de sofrimento no trabalho. Distingui, por exemplo, da pressão no trabalho. A pressão no trabalho, fazer trabalhar mais as pessoas não é, em si, assédio moral, mas pode se transformar em assédio moral. Inicialmente não é assédio moral, porque o objetivo não é destruir a pessoa, o objetivo é de fazê-la trabalhar mais, obter melhores resultados, então há um interesse que a pessoa esteja bem, porque se se deseja que ela trabalhe bem, que produza mais, ela precisa estar com boa saúde. Existem, por exemplo, seminários de gestão do estresse, de organização do tempo, que são destinados a fazer com que as pessoas consigam suportar cada vez mais estresse para trabalhar cada vez mais. Portanto, o estresse ou a pressão no trabalho não é assédio moral. Mas quando estamos estressados podemos também ter desvio de conduta e adotar um comportamento destruidor que os outros não vão enxergar. Porque quando todo mundo está excessivamente ocupado, trabalhando demais, não se presta atenção nos outros, se esquece de respeitar as pessoas.
Uma historia de assédio moral
Houve um caso na França de uma pessoa sobre a qual se colocou muita pressão no trabalho, na realidade era assédio moral mas, a empresa dizia que somente estavam lhe pedindo para trabalhar muito mais. É um caso interessante porque é um caso que se tornou jurisprudência. Era um senhor, um executivo comercial numa empresa, era um bom funcionário que tinha bons resultados. Houve, então, uma mudança de superior hierárquico: colocaram um jovem superior hierárquico recém-saído de uma Escola de Comércio que quis colocar cada vez mais pressão. Ele não suportava este senhor porque ele era mais velho, tinha 53 anos e passou então a vigiá-lo diariamente, a telefonar para saber o que estava fazendo, a perguntar por tudo, a exigir que justificasse tudo, a ridicularizá-lo porque era mais velho. Foi exigido dele objetivos cada vez mais importantes a realizar e, ao mesmo tempo, seu “setor geográfico de atuação” e suas possibilidades de trabalho foram limitadas.
Após algum tempo, enviaram uma primeira carta registrada dizendo que ele não trabalhava o suficiente; pouco tempo depois, enviaram uma segunda carta registrada, dizendo que ele precisava produzir mais. Quando este senhor recebeu a terceira carta registrada, ele deu um tiro na cabeça e se suicidou, no seu carro, indo para o trabalho. Na terceira carta registrada ele escreveu: “O que vocês fizeram não é ético”¹.
O que este senhor escreveu antes de morrer, resume bem o que se pode pensar do assédio moral. Não é somente algo destruidor, mas moralmente é algo antiético. O que é interessante, no caso deste senhor que morreu, é que sua viúva deu queixa antes que existisse uma lei na França. Ela procurou um advogado para dar queixa e os advogados que ela consultou disseram que não era possível, afirmando: “a senhora não terá ganho de causa porque esta situação não existe na lei”. Esta senhora insistiu e, finalmente, encontrou um advogado corajoso que a acompanhou ao longo do processo judicial. O juiz retomou, então, todos os objetivos que haviam sido exigidos deste senhor, analisou todas as situações de trabalho, o que lhe era pedido para fazer e o que era possível de ser feito. O juiz constatou que o que era exigido dele eram coisas absolutamente impossíveis de realizar. Este senhor estava numa armadilha, não era possível fazer o que lhe era exigido e ele ficou tão desestabilizado com a situação, que acabou se suicidando. É um caso interessante porque se tornou jurisprudência antes mesmo da lei e, pode ser utilizado agora, para sancionar este tipo de comportamento.
Eu diria que o estresse e a pressão no trabalho não são assédio moral. Penso que é importante distinguir os conflitos nas empresas, do assédio moral.
No mundo do trabalho, pelo menos na Europa, as empresas não querem problemas, não querem conflitos sociais, não querem greves, elas querem que os trabalhadores dêem a impressão de estar satisfeitos, que não se queixem e, sobretudo, elas não querem que se possa verificar que as pessoas não estão bem no seu local de trabalho, então, elas abafam os problemas, impedem que as pessoas comentem o que não vai bem, em vez de aceitar os conflitos, de aceitar que se torne visível, que se fala a respeito, é feito o necessário para calar as dificuldades, abafar os problemas.
A necessária visibilidade
Creio que quando não se nomeia um problema, quando ele é abafado, o problema acaba ressurgindo de forma perversa. Em vez de ser solucionado coletivamente, ele se transforma em sofrimento individual. São os trabalhadores e trabalhadoras que pagam esta falta de comunicação e esta falta de expor claramente os conflitos. Na sociedade européia temos menos conflitos sociais, menos greves, mas cada vez mais sofrimento individual, cada vez mais destruição das pessoas. Então, acredito que contrariamente ao que está acontecendo hoje, é necessário nomear os conflitos, reinstaurar a fala para que os assuntos problemáticos tenham visibilidade e que se tente encontrar uma solução.
Dimensões do assédio: individual e coletivo
A dificuldade que existe com relação ao assédio moral é que existem duas dimensões. Há, ao mesmo tempo, uma dimensão coletiva que deve ser tratada pelos sindicatos, que deve ser tratada de forma coletiva, mas há, também, uma dimensão de sofrimento individual que precisa de apoio de médicos, psicólogos e outros profissionais afins, para ajudar estas pessoas a encontrar soluções. Para enfrentar o problema do assédio moral me parece importante que haja um trabalho interdisciplinar, envolvendo médicos do trabalho, psiquiatras, psicólogos, assistente social, sociólogos, sindicalistas, advogados, trabalhadores e que todos tentem juntos, encontrar soluções.
Quando uma pessoa é vítima de assédio moral, quando ela já foi destruída, ela precisa de uma escuta individual, de tratamento individual com um psicoterapeuta ou um médico. Mas a prevenção do assédio moral deve ser uma prevenção coletiva. É necessário que os dirigentes de empresas, os políticos, os governantes sejam sensíveis ao sofrimento dos trabalhadores e a este tema, pois somente a tomada de “consciência coletiva e multidisciplinar” em todos os níveis, poderá apontar soluções. Então, vou concluir aqui, porque vocês talvez tenham perguntas a fazer, afirmando que não se trata de um problema europeu ou de um problema brasileiro, mas sim de um problema mundial.
A globalização da resistência
O assédio moral existe em toda parte, em todos os países. É um problema de mundialização, em todos os países e não se pode dizer que está ligado a tal ou tal cultura Assim, devemos reagir no plano mundial, reagir para que haja redes de comunicação entre os diferentes países para implantar métodos que visem a prevenção e medidas também, para ajudar estas pessoas que sofrem, a encontrar soluções.
Devemos rejeitar a retórica daqueles que dizem que “não é grave” que, “é só uma pessoa ou outra”, que “esses indivíduos não contam”. Finalmente, creio ser essencial afirmar que o assédio moral é um problema da nossa sociedade atual. Incentivo todos vocês a reagir, a não deixar que o assedio moral se instale nos ambientes de trabalho. Devemos lutar para implantar e implementar políticas de prevenção aqui e em outros países.