Quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

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A mão-de-obra mais barata do mercado: a da mulher negra

Texto de Alfredo Boneff

Entre a eloqüência da legislação de combate à discriminação racial e a realidade enfrentada por negros e negras no Brasil, parece haver um abismo intransponível. Quando se comemora o Dia da Mulher Negra da América Latina e Caribe, a fria letra da lei – para citar o jargão jurídico recorrente e dissociado da realidade – soa ainda mais distante do preconceito que incide especialmente sobre as mulheres trabalhadoras.

Não que salvaguardas como a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre discriminação em questões de trabalho e profissão, não sejam da maior importância. O que se questiona é sua plena aplicabilidade. É para isso que organizações como o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e a ONG Criola desenvolvem atividades. Muito além da palavra de ordem inócua, utilizam ou produzem dados sobre a desigualdade a fim de modificá-la. Dos levantamentos sobre assédio moral no trabalho, realizado pelo Ceert, à assessoria proporcionada por Criola a jovens artesãs, essas mulheres agem – cotidianamente e incansavelmente – para transpor abismos.

Defasagem

Números incluídos na publicação “Desigualdade Racial em Números – coletânea de indicadores das desigualdades raciais e de gênero no Brasil”, organizada pela coordenadora-geral de Criola, Jurema Werneck, apontam o perfil salarial médio de 36 empresas no ano 2000. Nos cargos de diretoria, o salário médio de homens brancos que ocupavam cargos de diretoria era de R$ 19.268. A remuneração média de homens negros chegou a R$ 16.677, enquanto a de mulheres brancas foi de R$ 11.617. Simplesmente não houve registro de mulheres negras e pardas em cargos de diretoria.

À exceção dos cargos gerenciais, nos quais as mulheres negras ganhavam, em média, R$ 6.457, e as brancas R$ 6.415, nas funções administrativas e de produção a remuneração das negras foi, invariavelmente, bem menor. Esses dados fazem parte dos Indicadores de Desempenho Social da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).

O Ceert vem trabalhando desde a sua fundação, em 1990, com empresas dos setores público e privado, além de centrais sindicais e prefeituras, em projetos de pesquisa e capacitação relacionados às áreas de raça e gênero no trabalho.

“Ser negro é um impedimento para assumir cargos de qualificação”, avalia Edna Muniz, assistente social e coordenadora de sáude do Ceert. Ela cita o “Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho no Brasil”, estudo feito pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), em 1999, a partir de dados do Dieese/Seade. O Ceert atuou como orientador nas questões de gênero e raça. Entre outros números, a pesquisa aponta que, no Distrito Federal, nada menos que 45% das mulheres negras trabalhavam em atividades consideradas vulneráveis.

Merendeiras

Um estudo desenvolvido pela pesquisadora e médica do trabalho, Margarida Barreto, em empresas químicas e farmacêuticas de São Paulo revela que a maior parte das vítimas de assédio moral nos locais de trabalho são mulheres negras.

Esse trabalho de referência tem desdobramentos numa pesquisa feita pelo Ceert, em 2001, com merendeiras negras de uma escola de São Paulo. Vítimas de assédio moral por parte do diretor da escola, as merendeiras solicitaram apoio da área jurídica do Ceert. Além das humilhações perpetradas às profissionais, em determinadas ocasiões chamadas de “pretas da senzala”, a distribuição de tarefas também demonstrava práticas preconceituosas. As merendeiras brancas faziam serviços considerados mais qualificados como ir a bancos ou delegacias de ensino. Às negras cabia, entre outros serviços, a lavagam do pátio e salas de aula.

O Ceert passou a acompanhá-las, num grupo denominado Consenso, integrado por Margarida Barreto, advogados(as) e psicólogas do Ceert. O episódio abjeto foi sendo então reconstruído, resultando no projeto Dano Psíquico. No grupo, as merendeiras colocavam problemas decorrentes do assédio moral, como a perda de vontade de trabalhar, taquicardia, problemas digestivos, insônia e até mesmo hipóteses de suicídio. “Políticas públicas têm que ser instituídas nas áreas de saúde e jurídica, porque não existe uma legislação que fale disso”, aponta Edna. Ela faz a ressalva de que existem algumas leis municipais que abordam o assédio moral. Atualmente, as merendeiras estão com um processo contra o diretor, solicitando indenização. Depois da mobilização de várias instituições, o diretor foi afastado do cargo.

O uso deste material é livre, contanto que seja respeitado o texto original e citada a fonte: www.assediomoral.org